Alfavaca das alturas
Em português corrente, legume significa qualquer produto hortícola habitualmente consumido em sopas ou saladas: couves, rabanetes, cenouras, feijões, tomates, etc. Acontece que muitas das plantas que produzem esses alimentos não são leguminosas. Da nossa curta lista, só os feijões provêm de plantas dessa família: couves e rabanetes são as folhas ou raízes de certas crucíferas; tomates são os frutos de uma solanácea. Assim, quem se preocupe acima de tudo com a lógica e a coerência da língua pode ser levado a chamar vegetais aos tradicionais legumes. Há contudo a questão séria de esse uso da palavra vegetais tresandar a estrangeirismo. Não terá sido pela vontade de corrigir uma falha da língua que, nos supermercados ou na boca dos falantes de português, os vegetais têm vindo a destronar os legumes. É de facto mais um sintoma (e até dos menos graves) do modo como a língua vem sendo abastardada pela imparável onda de anglicismos. Assim, é um acto de resistência continuarmos a chamar legumes às couves e cenouras, apesar de sabermos que elas nada têm a ver com as leguminosas.
Contudo, hoje falamos de leguminosas propriamente ditas. É sabido que elas têm uma importância primordial na alimentação humana, não apenas por serem consumidas directamente (aos feijões, de que há inúmeras variedades, podemos juntar o grão-de-bico, as ervilhas, as lentilhas, a soja, etc.), mas por contribuirem decisivamente para a fertilização dos solos agrícolas através da fixação do azoto. Antes da invenção dos fertilizantes químicos, os trevos eram parte obrigatória da rotação de sementeiras em parcelas agrícolas. Serviam para forragem, mas a sua principal função era recuperar os nutrientes do solo para permitir cultivos mais exigentes.
Além das leguminosas que nos são obviamente úteis, há inúmeras outras que, embora igualmente equipadas para beneficiar solos (pois não há leguminosa que o não saiba fazer), nunca foram cultivadas ou usadas como alimento. Algumas ocupam habitats agrestes e não se deixariam facilmente domesticar, outras são espinhosas a ponto de desencorajarem o mais voraz dos apetites, outras ainda, pelo tamanho insignificante, não compensariam o esforço do cultivo. Nem toda a natureza existe para nosso proveito e é bom que assim seja.
O género Astragalus é muito populoso — de facto, é o mais populoso género botânico à face da Terra, com mais de 3200 espécies descritas, deixando o segundo classificado (Bulbophyllum, com cerca de 2000 espécies) a grande distância. Face a estes números, que haja 41 espécies de Astragalus na Península Ibérica não nos parece exagerado. A diversidade de formas e tamanhos faz com que a destrinça das espécies de alfavacas (nome que aplicamos indistintamente às espécies do género) não seja difícil, embora também ajude conhecer-lhes a distribuição. Por exemplo, pelas flores características e pelas folhas imparipinuladas de aspecto sedoso, o arbusto das fotos insere-se claramente na família das leguminosas e, dentro desta, no género Astragalus. A presença de espinhos, o aspecto geral da planta e o habitat de alta montanha reduzem os candidatos a dois. Mas na serra Nevada só um deles existe — aquele que, muito apropriadamente, se chama Astragalus nevadensis. O candidato excluído, A. sempervirens, pouco se diferencia do vencedor, mas é sabido que só ocorre nas cadeias montanhosas do norte da Península.
A maioria das espécies peninsulares de Astragalus são herbáceas, mas entre as espécies arbustivas o Astragalus nevadensis está longe de ser o mais espinhento. Nesse campeonato de agressividade dão cartas duas espécies aparentadas: o Astragalus tragacantha, restrito em Portugal à costa vicentina, e o não menos pungente Astragalus balearicus, exclusivo das ilhas Baleares.
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