11/09/2009

Funcho-marinho


Crithmum maritimum L. - Perafita, Matosinhos

A Câmara de Matosinhos completou, há poucas semanas, um passadiço de madeira sobre as dunas litorais de Perafita. A construção começa bem à vista da refinaria da Petrogal, que só com nevoeiro cerrado é possível ignorar: mesmo à noite ela é profusamente iluminada por holofotes e chaminés cuspidoras de fogo. E, estendendo o nevoeiro o seu manto benfazejo sobre a paisagem, é preciso que o vento não sopre para noroeste, pois senão é o olfacto que nos estraga o passeio.

Mas não há que sermos esquisitos, pois de facto habituamo-nos a tudo. Houve até quem escolhesse aqui morar, nos prédios e bairros que prolongam o núcleo urbano de Leça da Palmeira até à refinaria, ou, imediatamente a norte desta, já em Perafita, nas vivendas da marginal. Entre a sedução do mar e a repulsa dos fumos pestilentos, venceu o mar. Afinal, mar e praia estão sempre lá, e nem sempre o vento sopra a nosso desfavor.

Certo é que o passadiço se fez - e ainda bem, mesmo que a obra tenha obedecido a um calendário eleitoralista. A recuperação da vegetação dunar é tarefa simples, desde que haja vontade. Basta vedar uma certa área ao pisoteio e arrancar as invasoras (chorões, acácias, ervas-das-pampas); os resultados são visíveis ao fim de um ou dois anos, com o regresso e proliferação das plantas que aí têm o seu habitat. Em Perafita ainda falta erradicar as plantas infestantes, e não houve tempo para uma regeneração cabal da vegetação. Contudo, e ainda que exiba menor diversidade botânica, o espaço agora protegido alberga algumas espécies que são raras ou inexistentes nas dunas do litoral gaiense, onde uma intervenção semelhante, e de muito maior fôlego, se fez há mais de meia dúzia de anos. Por exemplo, nunca encontrei armérias (Armeria sp.) em Gaia, mas há uma pequena população nas rochas costeiras de Perafita. E a papoila-das-praias parece ser aqui bem mais abundante do que em Gaia.

O funcho-marinho (Crithmum maritimum), assunto desta prosa, existe também em Gaia, mas aí a sua presença é muito mais discreta do que em Perafita. Ignoro se tal discrepância se generaliza a uma assimetria norte-sul, com o Douro por linha divisória. Em Perafita, no auge da floração (que até é pouco vistosa, pois as inflorescências são esverdeadas), ocorrida em meados de Agosto, as praias e as rochas pareciam um jardim, de tão enfeitadas que estavam com maciços desta planta.

Planta umbelífera (da família da cenoura), suculenta, muito ramificada, formando moitas de 20 a 50 cm de altura, a distribuição global do funcho-marinho abrange a costa europeia atlântica e mediterrânica, e ainda o norte de África e as ilhas da Macaronésia (Açores, Madeira e Canárias). Dá-se melhor em rochas costeiras do que nos areais. Os franceses (a variedade de Homo sapiens mais omnívora que se conhece) ensinam-nos, lambendo os beiços, que as folhas da planta são comestíveis, boas para se confeccionarem pickles com travo salgado. Terá sido por esses gourmets incorrigíveis não controlarem a gula que a planta se fez rara na costa atlântica francesa, a ponto de aí ser hoje espécie protegida? Não queiramos seguir tão mau exemplo.

P.S. Pode ver aqui a mesma planta nas falésias algarvias.

1 comentário :

Luz disse...

Mais uma aprendizagem. Estava bem longe de imaginar que estas plantinhas que se vêem nas dunas das praias dos arredores de Leiria, eram funcho marinho. Tenho mesmo que abrir os olhos e começar a reparar melhor nas coisas que me rodeiam...