Caçador de rios 3: Roding
The Temple - Wanstead Park - Epping Forest
Londres de A a Z é um atlas de ruas em formato de livro que se folheia como se fosse romance, com a peculiaridade de sermos nós os protagonistas. Abrimos a página com o quadradinho onde nos encontramos e espetamos o dedo: estamos aqui. Tal é a minúcia do atlas que nem os caminhos florestais foram esquecidos: podemo-nos guiar por ele na Epping Forest, mas só na metade sul, que o resto já fica de fora. Foi assim que consegui ir a pé da estação de Leytonstone até ao parque de Wanstead, parte da floresta que pertenceu a uma casa senhorial demolida em 1824. Regista a história terem aqui existido grandiosos jardins formais, com longas alamedas e parterres graciosamente geométricos. Hoje nada disso sobra, engolido que foi pelo arvoredo espontâneo. Dessa época ficaram apenas o templo - pequeno edifício com pórtico neoclássico, onde funciona o atendimento aos visitantes - e os lagos artificiais com ilhotas arborizadas, alguns deles quase secos por altura da minha visita, em meados de Agosto.
Lago com Lythrum salicaria - Wanstead Park - Epping Forest
O rio Roding, afluente do Tamisa, tem aqui um troço que corre paralelamente a um lago de formato longilíneo, cuja vocação claramente fluvial talvez tenha sido despertada pela vizinhança do seu colega nas lides aquáticas. Vistos do caminho que os separa, lago e rio parecem gémeos. Mas eu, instruído pelo meu A a Z, queria por força atravessar o rio; e um lago, por muito que se disfarce de rio, não precisa de ser atravessado, mas tão só circundado. O rio marca aqui os limites da Epping Forest; logo depois há uma estrada servida por um autocarro que me transportaria comodamente até à parte da floresta mais a norte. Para chegar à paragem só teria de transpor o rio - proeza trivial, bastou descalçar os sapatos e arregaçar as calças - e rodear as traseiras do bairro contíguo à estrada.
Rio Roding - Epping Forest, Londres (em primeiro plano, Acer pseudoplatanus)
A Grã-Bretanha é talvez o país mais liberal (ou será socialista?) do mundo a conceder direito público de passagem em propriedades privadas: por toda a ilha existem trilhos, muito usados por caminheiros e amantes da natureza, que nenhum proprietário tem permissão para vedar. O reverso da medalha é que, onde não houver caminho autorizado, a passagem é mesmo impossível e não há desenrascanço que nos valha. Ou, se não for impossível, é arriscada e imprudente. E o A a Z, vendo bem, não indicava qualquer caminho legítimo até à estrada, mesmo estando ela ali tão perto.
Ocorreu-me isto depois de ter saltado duas vedações e de me ter visto a salvo, ainda atarantado de susto e com arranhões nas mãos e nos joelhos, na paragem que me propusera alcançar. A primeira barreira era inocente, quase convidativa: uma paliçada de madeira baixa, dando acesso a um carreiro que parecia desembocar na estrada. Mas a segunda barreira, depois de duas centenas de metros rompendo por uma vegetação cada vez mais densa e espinhenta, era gratuita e maldosa, formada por barras metálicas com dois metros de altura e pontas aguçadas. Recuar estava fora de causa, mas não sei como consegui ultrapassar tamanho obstáculo com a roupa intacta. Não invadi propriedade alheia e, tanto quanto sei, ninguém me observou neste exercício de alpinismo à mão desarmada. Mas não quero repetir a aventura: doravante, ficar-me-ei pelos caminhos assinalados no mapa.
1 comentário :
Uma medida, sem dúvida, acertada. De qualquer forma parece ter valido a pena!... (e nós cheínhos de inveja!!!)
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