24/11/2009

Vestida de figos



Ficus racemosa L.

Recato e pundonor caracterizam a cooperação entre as vespas-dos-figos e as figueiras. As inflorescências do género Ficus são receptáculos carnudos com formato de polvorinhos em cujas paredes interiores se agrupam centenas de flores sem pétalas, femininas ou masculinas. Cada uma das 800 espécies deste género é polinizada pelo seu insecto preferido, num ciclo de reprodução simbiótica de que ambas as espécies dependem para sobreviver: estes seres minúsculos acedem ao sicónio, que mais tarde dará o figo, através de um ostíolo num dos topos - tão pequeno que o insecto perde frequentemente parte das asas e antenas ao entrar -, alugando esta câmara escura como abrigo e fonte de alimento para as larvas, e pagando o serviço com pólen. Mas uma vez dentro, o insecto depende das suas larvas para sair e o ciclo se retomar; para isso, tem de escolher criteriosamente a planta e o figo onde penetrará.

De facto, as figueiras (que são plantas maioritariamente tropicais, com grande diversidade na Índia, Ásia e África) produzem figos de dois tipos: uns com flores masculinas e outros com flores femininas; só estes últimos são (nalgumas espécies) comestíveis. Se uma vespa fêmea entrar num figo masculino, encontra estruturas adaptadas para ninhos dos seus ovos e as larvas terão alimento que baste para ficarem gordinhas e desejosas da aventura seguinte: as masculinas, cegas e sem asas, gastam a vida a escavar pequenos túneis para que as femininas se libertem desta clausura e voem para outro figo carregadinhas de pólen. Contudo, se uma vespa entra num figo feminino, esgota-se em fome e cansaço porque as flores femininas têm um estilete longo que atrapalha a deposição dos ovos. Mas repare que, antes de entregar a alma ao criador, a vespa desatenta deixará ali o pólen que transporta, o que para a figueira representa um lapso providencial. Por isso os horticultores apostam na boa vizinhança entre figos masculinos cheios de vespas e femininos cheios de sementes. Boa mas ponderada porque, se num sicónio feminino entrarem demasiados insectos, ele acabará por rebentar com tantas sementes - o que é bom para o insecto, para a planta e para nós gulosos que colhemos os figos maduros da árvore, mas mau para o produtor de fruta. (Ressalve-se, porém, que muitos dos figos da figueira vulgar - Ficus carica L. - produzidos para consumo não chegam a ser polinizados.)

Está o leitor inquieto com os figos que degustou no Verão? Teriam eles, apesar de saborosos, um recheio de vespas sem juízo falecidas em aflição? Será acaso vegetariano convicto e estará neste momento a sentir-se um pecador? Não se apoquente: quando uma tal vespa descuidada morre nessa armadilha, a planta produz uma enzima que a transforma em proteína, e portanto as partes estaladiças do interior dos figos são só sementes.

A Ficus racemosa é do sul da China e do sudeste asiático até à Austrália. A folhagem é semi-caduca e as inflorescências (futuros figos) nascem, nos meses quentes, em racimos presos no tronco por pedúnculos curtos e sem folhas. Gosta de solo bem drenado em torrões soalheiros, que agracia com uma sombra generosa.

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