Música para colibris
Epilobium canum
Contemplá-la deveria bastar-nos. Vencido o receio de corromper a beleza, poderíamos até tocar-lhe as pétalas, sentir-lhe de perto o perfume, e recuar saciados. Mas não. Como D. José em Todos os nomes, de Saramago, só depois de identificada, com «o nome completo, sem lhe faltar um apelido ou uma partícula», aceitámos reconhecer esta flor como nossa.
Seguiram-se por isso noites de leitura sem a paz do costume. A tarefa adivinhava-se árdua porque os traços mais relevantes da planta nos pareciam discordantes. A cor escarlate brilhante pouco usual, a indentação das pétalas em dois lóbulos (que só conhecíamos em flores pequeninas e roxas), o formato em trombeta com estames proeminentes (características comuns a inúmeros géneros) e a folhagem minúscula deixaram-nos à deriva uns dias.
Num derradeiro esforço, reparámos noutra pista: os estames esticados, com as anteras de pólen dilatadas, e o estilete um pouco mais longo com uma bolinha penugenta como estigma. Já tínhamos visto este arranjo, como uma bailarina em pontas, nas fuchsias. Deste detalhe ao nome comum, California fuchsia, foi um pulinho - seguido de outro de contentamento por termos nomeado finalmente esta planta.
Depois de mais de um século a chamar-se Zauschneria californica, a comunidade científica colocou-a recentemente no género Epilobium, com o epíteto específico canum que, desconfiamos, alude às cãs do fruto. Foi recebida por cerca de 170 espécies da Nova Zelândia, América do Norte e Europa, entre elas a rasteirinha Epilobium roseum que desenha nesta altura manchas violeta nos nossos prados.
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