22/06/2012

Eufórbia nordestina

Euphorbia oxyphylla Boiss.



A morfologia das inflorescências é um tema a que retornamos amiúde, a propósito de orquídeas, alhos, jarros ou crucianelas. Tenha o leitor paciência, voltamos hoje ao assunto porque nas inflorescências da maioria das espécies do género Euphorbia nota-se um padrão que é interessante examinar. Primeiro alguns exemplos: E. azorica, E. dulcis, E. helioscopia, E. paralias, E. exigua. O que há em comum em todos eles?

Cada inflorescência é composta por uma única flor feminina, que é quase só o ovário, rodeada por numerosas flores masculinas reduzidas a estames, conjunto que se chama ciátio e que se abriga num cálice formado por duas ou mais brácteas. No centro, reparamos no brilho do néctar, que os polinizadores também avistam, mesmo de longe. Além disso, de cada ciátio podem emergir vários talos sustentando novos ciátios, num arranjo de bifurcações sucessivas a que os botânicos chamam pseudo-umbela (e os matemáticos teorizam quando estudam sistemas caóticos). Em resumo, a estrutura peculiar das hastes de flores começa com um pé longo onde a certa altura nascem duas folhas que, sendo sésseis, formam uma taça; aí, o caule bifurca-se e, alguns centímetros adiante surge, em cada um dos dois novos pés, um novo cálice de duas folhas, de onde partem dois novos pedúnculos, etc. Esta duplicação de pedúnculos constrói uma «árvore» em cuja «copa» estão os ciátios de flores — que evitam os patamares demasiado abaixo porque, nesta disposição de caules, as flores ficariam escondidas pelos níveis colocados mais acima, o que seria um manifesto desperdício.

Que vantagens pode ter esta forma? A imbricação das folhas, por vezes decussadas, tem vários usos, como reter água da chuva ou humidade, reforçar os talos para apoiar os frutos ou orientar as hastes; e a touça de inúmeros ramos divide o peso do edifício, que pode ser considerável. Porém, a configuração da inflorescência, globular pelo modo como foi gerada, tem benefícios menos óbvios, mas o objectivo é provavelmente o mesmo que o dos malmequeres: muitas flores, expostas numa superfície bem visível para os polinizadores.

A planta da foto (outrora Euphorbia broteri Daveau ou Euphorbia biglandulosa Desf. raça broteri (Daveau) Samp.) cumpre à risca o figuro descrito anteriormente. É monóica, tem folhas coriáceas e glaucas; as pseudo-umbelas exibem de 10 a 15 raios e têm glândulas alaranjadas. É um endemismo ibérico que, em Portugal ocorre em terrenos ácidos de zonas montanhosas do norte e centro este. Os exemplares da vitrine são de uma clareira de um castinçal na serra de Bornes.

Depois deste breve apontamento, consegue identificar uma eufórbia nesta pintura de Agostinho José da Motta (1824-1878)?

3 comentários :

trepadeira disse...

Esta bela planta,cuja seiva,de aspecto leitoso,julgo ser muito tóxica,é o alimento de uma borboleta,na fase de lagarta,com cores garridas a Hyles Euphorbiae.
A preferência por este petisco parece destinar-se a absorver a toxidade como defesa.

Abraço,
mário

Maria Carvalho disse...

Obrigada pelo seu reparo, estes ardis da natureza são muito interessantes. É engraçado que a seiva, que (creio) a planta usa para se proteger dos predadores, sirva afinal para que um insecto, imune ao produto tóxico e que a come, se defenda. É até possível que o esquema não pare aqui, que haja uma ave, digamos, que come a larva e que também se aproveita de algum modo da seiva processada.

Carlos Aguiar disse...

Uma curiosidade, Paulo. Esta planta é conhecida na região por causar priapismo doloroso. Tem, por isso, um nome vulgar curioso que por pudor me recuso a divulgar. Para além deste sintoma origina uma dilatação intensa da pupilas. É, portanto, uma planta tóxica e deve ser evitado qualquer contacto com o seu látex.