Feto fino
Cystopteris dickieana R. Sim
Embora também seja nosso hábito determo-nos junto a fontes e regatos para matar a sede com água sem desinfectante, o mais das vezes só queremos observar as plantas que vicejam sob tão copiosa rega. Uma velha pia de granito com um fio de água a escorrer é um viveiro de especialidades que só naquele nicho poderiam surgir, e não uns metros ao lado. Que artes mágicas foram as delas para que as sementes pioneiras caíssem e germinassem no sítio exacto? Aqui é preciso pôr travão na retórica, porque nem tudo quanto é verde nasce de semente. Os fetos, como é sabido, reproduzem-se por esporos. E mesmo certas plantas com flor têm recursos para se propagarem vegetativamente quando falha a sementeira: o trevo-azedo (Oxalis pes-caprae), sul-africano de origem, é dos piores invasores vegetais em Portugal apesar de não produzir sementes no nosso clima.
Falávamos porém de fontes e de fetos. Muitos fetos (nem todos) têm uma afinidade especial com a água, e por isso o ditado «não há fonte sem feto» teria plena justificação para existir. Entre os que se encontram ocasionalmente nestes locais contam-se os do género Cystopteris, com folhas bipinadas de cerca de 30 cm de comprimento, por vezes bastante menores, dispostas em tufos. A um olhar menos treinado o recorte das frondes pode levar à confusão com algum Asplenium. No entanto, as folhas do Cystopteris são finas e frágeis, de um verde pálido, em contraste com as folhas escuras e semi-coriáceas do A. billotii e do A. onopteris. E há outra diferença importante: no Cystopteris os esporângios estão protegidos por indúsios lanceolados, enquanto que no Asplenium os indúsios são lineares (sem o auxílio de lupa, ou em fotos de fraca nitidez, notar-se-á a diferença entre um ponto e um travessão).
Seria pedante propormos ao leitor que apontasse quais as diferenças entre as duas espécies de Cystopteris que hoje mostramos. O género é reconhecidamente problemático, tanto pela grande variação dentro de cada espécie enquanto tal, como pela difícil distinção entre elas. Há quem defenda que sob o nome de Cystopteris dickieana se agrupam na verdade várias espécies, divergindo tanto na morfologia como no número cromossomático; e o mesmo sucederia, embora não na Europa, com o Cystopteris viridula. Na ala oposta do espectro de opiniões, outros sustentam que C. dickieana e C. viridula são sinónimos de C. fragilis, o que diminuiria de três para um o número de espécies do género presentes em Portugal.
Aceitando a doutrina das três espécies, a mais comum no nosso país é C. viridula, presente em toda a metade norte do território continental e também nos Açores e Madeira. O C. dickieana, com preferência por lugares mais elevados, ocorre pontualmente no interior norte e centro. Uma inspecção do verso das frondes (fotos 3 e 5) revela uma das diferenças entre os dois: no C. dickieana a venação termina nos bicos das pínulas, enquanto que no C. viridula termina nas reentrâncias. Mas a distinção mais óbvia é geográfica: o C. dickieana foi fotografado na serra da Estrela, perto do Covão d'Ametade, a uma altitude inacessível ao seu congénere.
Cystopteris viridula (Desv.) Desv. [= Cystopteris diaphana (Bory) Blasdell]
1 comentário :
É que sou completa estrangeira a este linguajar :)
Mas pronto, as fotos dos fetos são bonitas. Verditas. E por mim, se não se importam, prefiro a Fonte dos Fetos no Buçaco. Fica uma pessoa com a ilusão de floresta tropical.
Enviar um comentário