Cotovia de poupa rosada
Ceratocapnos claviculata subsp. picta (Samp.) Lidén
Não sendo muito frequente, a cotovia-de-poupa-rosada (nome com que acabámos de baptizar a planta acima ilustrada) não é por certo a raridade que as circunstâncias que a têm rodeado podem fazer crer. Como planta anual que é, o surgimento desta delicada trepadeira é efémero. As flores e frutos que a singularizam são miniaturais, potenciando a confusão com a muito mais comum cotovia-de-poupa-branca (Ceratocapnos claviculata subsp. claviculata). Foi Gonçalo Sampaio, que lhe chamou Corydalis claviculata var. picta, quem primeiro registou a sua existência, publicando em 1935 no Boletim da Sociedade Broteriana (ser. 2, vol. 10, pág. 222) a seguinte descrição:
«Encontrei esta interessantíssima variedade em Junho de 1931, nos arredores de Vila Nova de Paiva, onde abundava entre a povoação e o rio, e onde não consegui ver um único pé da forma típica da espécie, que é aquela que aparece no Minho, no Douro inferior e noutras terras da Beira Alta. Distingue-se imediatamente esta variedade por ter as pétalas exteriores laivadas de róseo-subvioláceo e as interiores fuscas na ponta, assim como por ter os frutos pilósulos. É planta verde, não glauca.»
A justeza das observações de Sampaio foi reconhecida quando, em 1953, Franco e Pinto da Silva promoveram a nossa cotovia à categoria de subespécie (Corydalis claviculata subsp. picta), galardão confirmado em 1984 pelo botânico Magnus Lindén quando a transferiu para o género Ceratocapnos. O mesmo Lindén, escrevendo na Flora Ibérica, anotou porém que «não se conservam materiais da colheita original e, ao que parece, não voltou a ser colhida senão numa única ocasião». Ficou pois a ideia de que a planta seria muito rara ou poderia mesmo estar extinta. De facto, para quem conhece as vicissitudes da botânica portuguesa, o episódio não é tanto um sintoma da raridade da planta, mas sim da escassez dos trabalhos de prospecção botânica em território nacional. Quando finalmente, na transição para este século, os botânicos regressaram ao campo, algumas ideias distorcidas e retratos incompletos foram corrigidos. Sabe-se hoje, pelo trabalho de João Domingues de Almeida (Flora e Vegetação das Serras Beira-Durienses, Coimbra, 2009), que o C. claviculata subsp. picta está de boa saúde na Beira Alta, e não apenas em Vila Nova de Paiva; e João Honrado (Flora e Vegetação do Parque Nacional da Peneda-Gerês, Porto, 2003) assinala que a planta é «frequente em matagais de orlas de bosques, na parte oriental do Parque».
O local onde a fotografámos, em Montalegre, já se situa fora do perímetro do PNPG, embora lhe seja contíguo. Mas ainda não nos satisfaz saber pelo testemunho dos sentidos que ela existe. As diferenças já assinaladas por Sampaio em relação à forma típica são tão marcantes que se nos afigura algo arbitrário mantê-la como subespécie; é urgente tirar o assunto a limpo com um estudo moderno, baseado em material colhido de fresco. Além disso, é inacreditável que a planta seja tida como endemismo lusitano, quando em Montalegre a vimos a menos de 7 Km da fronteira galega, sem nenhum obstáculo natural assinalável de permeio. Os espanhóis, em geral tão diligentes no estudo da sua flora, parecem ter descurado este território fronteiriço.
6 comentários :
Hummm...os espanhóis andam mais empenhados noutras questões também fronteiriças, se o mar tem fronteiras. Mas o nosso PR já nos salvou, que dormir um presidente num território o torna inexpugnável. E pronto.
a poupa rosada deve ser bem pequenina e miudinha.Obrigada pela mostra.
Olá, os espanhóis não sei, os galegos, já andaram a procurá-la na comum serra do Jurês/Gerês. O amigo Paulo Alves (português) chegou a vê-la a menos de 500 metros da fronteira, mas sem ultrapassar a linha imaginária dos estados. Tem de estar aqui (Galiza), com certeza, mas por enquanto, ela brinca a esconder-se.
Um abraço portugalego
Caro Paulo
Mais um excelente post, mas esta frase, para mim, é totalmente incompreensível:
«Quando finalmente, na transição para este século, os botânicos regressaram ao campo, algumas ideias distorcidas e retratos incompletos foram corrigidos.»
Em Portugal continental e insular não houve, durante o séc. XX, nenhuma guerra ou outro tipo de problema que tenha impedido os botânicos de explorar o campo. Vários centros de botânica o fizeram, intensamente, contando com vários e ilustres botânicos e colectores. Vou só citar alguns, pelas abreviaturas dos Herbários: AVE, COI, ELVE, HVR, LISE, LISI, LISU, PO.
Abraço,ZG
Caro ZG:
Obrigado pelo comentário. Sem querer discutir a história da botânica em Portugal, pois dela sei pouco, julgo ainda assim que, em comparação com os restantes países da Europa ocidental, o conhecimento da flora portuguesa e da sua distribuição sempre foi muito incompleto e fragmentário, e que só recentemente a situação começou a ser corrigida com o levantamento sistemático de importantes parcelas do território (além das teses que menciono, há ainda a de Carlos Aguiar sobre as serras de Montesinho e Nogueira, a de Paulo Silveira sobre a serra do Açor, e várias outras). Havia (e há) poucos botânicos a fazer trabalho de campo. Falei de "regresso ao campo" porque a profissão de colector quase desapareceu e agora são os próprios botânicos que têm de se mexer - não podem simplesmente ficar nos seus laboratórios à espera de que lhes tragam as amostras.
Abraço,
Paulo
Caro Paulo:
Sim, é verdade que recentemente se fizeram várias teses de doutoramento interessantes, assim como colectores botânicos já há poucos e estão mesmo em extinção...
Quanto ao conhecimento da flora portuguesa, parece-me ser já bastante completo, o que é pena para nós portugueses, pois pouco mais haverá para descobrir entre nós, o que é sempre uma pena...
Mas os nossos botânicos sempre gostaram do campo: só em relação ao séc. XX posso citar vários muitos bons que andavam muito no campo: Júlio Henriques, Gonçalo Sampaio, Luis Carrisso (morreu em campanha no Deserto de Moçâmedes), Abílio Fernandes (e seus colaboradores), Rosette Fernandes, Arnaldo Rozeira (e seus colaboradores), Pinto da Silva (e seus colaboradores), Malato-Beliz (e seus colaboradores), Amaral Franco (e seus colaboradores), Jorge Paiva, Mário Lousã (e seus colaboradores), etc....
Abraço,
ZG
Ah... - Esqueci-me de citar o Prof. Vasconcellos e diversos ilustres colaboradores: Ascensão Mendonça, Gomes Pedro, Pinto Lopes, Garcia, etc., que fizeram o excelente Estudo Fitogeográfico da Região Duriense, cujos trabalho práticos em grande parte coincidiram com os difíceis anos da II Guerra...
assim como os numerosos engenheiros agrónomos que fizeram o seu estágio em fitogeografia e fitossociologia, durante o séc. XX, orientados pelo Prof. Vasconcellos e outros notáveis mestres, muito contribuindo para o actual conhecimento notável da flora portuguesa!
Abraço, ZG
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