07/12/2013

Erva benjamina



Galeopsis tetrahit L.


Não fossem as flores, e talvez não tivéssemos concedido um segundo olhar a esta planta. Não porque só gostemos de plantas notáveis da nossa flora, nem porque estejamos infectados pela altivez tonta de quem menospreza o que lhe parece, ou é, vulgar. A nossa pouca experiência de campo aconselha-nos prudência na apreciação do que encontramos e, à falta de mais saberes botânicos, cuidado no olhar. Mas as folhas desta planta parecem as de urtiga, da que pica e dói por largos minutos, e, se tivéssemos de o confirmar com os dedos, a vontade não responderia à chamada. Além disso, esta população estava à beira de uma estrada muito usada e com bermas descuidadas — e, num instante, sentenciámos a planta como oportunista, imigrante, a colonizar esperta um habitat estragado. Arrelia-nos que julguemos assim incorrectamente a presença de uma planta num ambiente deteriorado, supondo que lhe agrada e por isso não é boa rês. A verdade é que é a estrada que danifica o lugar, é ela a intrusa que o artificializa. À planta restou adaptar-se, para não desaparecer; sendo planta anual e tão escassos os registos actuais da sua ocorrência no nosso país, parece ter dificuldades em encontrar os lugares frescos e sombrios da sua predilecção.

Voltemos por isso à planta e observemos melhor a sua morada. Como diria qualquer bom vendedor de apartamentos em prédios com vista para uma auto-estrada, «está a cinco minutos do paraíso». Sendo certo que estamos com um pé na estrada, verdade é que logo atrás se vê uma magnífica clareira de bosque cortada por uma cascata miúda. Ladeiam-na, salpicados pela água, inúmeros exemplares de feto-do-botâo (Woodwardia radicans). Enfim, depois de mais uma sessão de fotos/elogios a este feto, atentámos nos detalhes da flor da Galeopsis, e notámos como é adorável: lábio superior acapelado com um penachinho no topo, protuberâncias cónicas na base, penugem a proteger o interior do tubo e laivos escuros na corola rosada a chamar os polinizadores. (O nome Galeopsis, atribuído por Lineu, alude a uma misteriosa semelhança com a doninha.)

O leitor pode ler aqui uma descrição sucinta desta planta, a que o autor juntou dados biográficos. Antes de fechar essa janela, anote que a população encontrada por Francisco Clamote está no Sabugal, na Beira Alta, região onde nem a Flora Ibérica nem a Nova Flora de Portugal assinalam a presença desta planta.

4 comentários :

bea disse...

Parece um fantasminha em olhos de admiração

Anónimo disse...

Maria e Paulo,

Parabéns por essa magnífica descoberta no Gerês. Tanto quanto sei, é o primeiro registo da espécie no nosso único parque nacional, tão esquecido e tão abandonado. Pelas entidades públicas, mas também pelos biólogos e naturalistas. Mas ele também tem os seus segredos. Que cuidadosamente guarda e só revela a quem dele se abeira com ternura e com carinho. Como é o vosso caso.

Bem haja.

João Lourenço

Francisco Clamote disse...

Muito agradecido, Maria Carvalho, pela imerecida referência.
Curiosamente, julgo, pela descrição que faz do lugar do avistamento, que também já estive no mesmo local. No Gerês, suponho.
Renovo os agradecimentos não só pela referência, mas sobretudos pelos ensinamentos que aqui vou colhendo habitualmente e peço-lhe que aceite as minhas mais cordiais saudações.

Carlos M. Silva disse...

Olá Maria
É bela, sim, como algumas outras da família que já tive o prazer de encontrar, nesse Gerês.
Mas esta não; o aleatório dos meus passos ainda não cruzou com os desta mesmo que variadas vezes me vá para essas montanhas.

Um dia pode ser que se cruze comigo.
Mas terá mesmo de ter flor ..caso contrário ..passo ao largo.

Abraço
Carlos M. Silva