17/05/2014

As coisas como elas são


Omphalodes kuzinskyanae Willk.


Ao olharmos o mar imenso, da falésia na zona costeira de Sintra, temos uma serra generosa pelas costas mas tememos pela pouca terra. Porém, nessa tarde, durante o passeio pela praia do Abano, a nossa atenção estava guardada para os recantos à sombra dos zimbros, atapetados de areia alaranjada entremeada por cascalho, à procura de flores como as do miosótis, mas brancas. É neste habitat delicado e em dunas pristinas à beira-mar, numa estreita faixa que se estende de Cascais até à Praia Grande, que vivem as únicas populações conhecidas deste endemismo português, que se julga ter existido em todo o litoral da Estremadura à Galiza.

Foi descrito a 18 Maio de 1889 por H. M. Willkomm que, pelo que lemos no Österreichische Botanische Zeitschrift desse ano, lhe atribuiu o epíteto kuzinskyanae em homenagem à esposa do botânico P. A. von Kuzinsky (o que nomeou a nossa Saxifraga cintrana). A Willkomm não passaram despercebidas as semelhanças entre esta planta, que é glauca, anual e floresce entre Abril e Maio, com a Omphalodes littoralis, endémica do litoral atlântico francês, e com a Omphalodes littoralis subsp. gallaecica, endemismo galego da província da Coruña; todavia, reparou também que a planta de Sintra tem hábito rasteiro, folhas de pontas mais arredondadas e margens não tão serrilhadas nem tão vincadamente dobradas para dentro, e que os pedúnculos das flores são mais curtos.

As três Omphalodes parecem, contudo, ter em comum um futuro incerto. Estão listadas em directivas de habitat, anexos nacionais e regionais, listas vermelhas ou na Convenção de Berna como muito vulneráveis, exigindo protecção máxima. Mas se, em Corrubedo, um guarda impedia o avanço dos turistas pela duna gigante onde em tempos poderá ter existido Omphalodes littoralis, noutros locais da costa atlântica mantém-se a extracção ilegal de areia, a limpeza descuidada das praias, a construção indevida de infraestruturas, o pisoteio e os desportos motorizados, que têm provocado uma alteração drástica do habitat, induzido flutuações perigosas no número de indivíduos das populações destas espécies, até ao seu desaparecimento em alguns nichos, e um declínio acentuado da área ocupada por estas plantas. Além disso, como a germinação das sementes precisa de temperaturas baixas, quem sabe se este mundo mais aquecido não as levará à extinção. Por cá, não havendo vigilância nem livro vermelho, os responsáveis pela natureza não têm razões para deixarem de estar tranquilos e sossegados.

Um detalhe curioso: na Nova Flora de Portugal, Amaral Franco descreve as flores da nossa Omphalodes como sendo de um azul pálido, raramente brancas. As plantas que vimos, e as que outros têm visto e fotografado, tinham todas corola branca, num tom nacarado que lembra claras em castelo, e o mesmo terá acontecido em 1889 com Willkomm, que as descreve como weisse Blumen.

1 comentário :

bea disse...

São lindas, as omphalodes.