Das praias de Cádiz
Reichardia gaditana (Willk.) Samp.
Você vai à praia e deixa-se ficar a dormir ao sol porque não gosta de mergulhos nem de jogos de bola? Mesmo que o hábito e a família o/a obriguem a passar férias à beira-mar, elas não precisam de ser assim tão letárgicas e aborrecidas. Para deleite e instrução dos veraneantes, muitas plantas dunares confundem Agosto com a Primavera. Se aprender a conhecê-las e a tratá-las pelo nome, há-de querer reencontrá-las todos os anos, e como as plantas não vão até si terá você que ir até elas. Levante-se e caminhe. O litoral de norte a sul está equipado com passarelas que permitem observar a vegetação das dunas sem os estragos do pisoteio. Use um sistema de pontuação para classificar tudo quanto observa de acordo com a beleza e o grau de raridade. As plantas mais bonitas (esporas-bravas, narciso-das-areias, morrião-grande, assobios) são também as mais comuns, o que mostra como até a natureza obedece à lei da oferta e da procura. Numa escala de 1 (mínimo) a 5 (máximo), atingem 4,5 em beleza mas ficam-se pelo 1 em raridade. Entre as inúmeras asteráceas das dunas (malmequeres, dentes-de-leão, etc.), sempre bonitas mas algo anónimas, algumas que são escassas confundem-se com outras muito mais abundantes. Há que aprender a diferenciá-las para poder atribuir-lhes a pontuação correcta. Por exemplo, a Reichardia gaditana, hoje no escaparate, vale um indiscutível 3 em raridade; e a beleza, sempre subjectiva, cresce acentuadamente quando se debruça para ver a planta de perto. É também um gosto adquirido: ainda que a planta não o/a impressione ao primeiro olhar, quando a reencontra já o faz de sorriso aberto. Começando por classificá-la com 3, vai vê-la ultrapassar sucessivas etapas e aproximar-se perigosamente do 5. Para verbalizar a sua admiração, vai até aprender terminologia botânica sofisticada. Dirá então que a R. gaditana tem as brácteas involucrais mais bonitas de todas as asteráceas, em que a cor ruiva é elegantemente complementada pelo branco leitoso das margens escariosas.
Eis alguns dados biográficos para que possa completar a ficha da espécie. Endémica das areias litorais ibéricas, espalhada desde a Cantábria até Cádiz, mas escassa ou inexistente no resto da costa mediterrânica espanhola, a R. gaditana foi primeiramente descrita, sob o nome de Picridium gaditanum, por Heinrich Moritz Willkomm na sua obra Prodromus florae hispanicae, publicada em fascículos entre 1861 e 1880. Willkomm (1821-1895) foi um dos notáveis botânicos alemães que viajaram por Espanha e Portugal durante o século XIX e contribuíram decisivamente para o conhecimento da flora peninsular. Pelo epíteto gaditanum escolhido por Willkomm, ficamos a saber que colheu a planta nas areias de Cádiz. Poderá tê-lo feito em Agosto, pois ela aguenta-se em flor até lá. Mas à época não havia nem os hotéis nem o hábito de fazer praia que se massificou na segunda metade do século XX. Willkomm, certamente, não se estendeu na areia seminu para torrar ao sol. E, se ensaiou algum mergulho, o decoro da época tê-lo-á obrigado a fazê-lo pouco menos que vestido dos pés à cabeça. Além da areia e do mar, talvez só as plantas dunares se tenham mantido reconhecíveis e iguais a si próprias nos 170 anos decorridos desde que Willkomm visitou Cádiz.
2 comentários :
Belo texto, Paulo. Quem me dera poder imitá-lo. Abraço.
Obrigado pela generosidade, Francisco.
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