21/06/2014

Assobio taludo


Silene coutinhoi Rothm. & P. Silva


Entre alguns académicos há ainda o hábito saudável, e económico, de pensar com quadro e giz. Se depois precisam de levar esses rabiscos para casa, há os que, para não terem de os refazer, simplesmente fotografam o quadro como quem tira fotocópia de um rascunho. Nesse sentido, a máquina fotográfica acrescentou, ao seu papel de repositório de histórias das férias, a tarefa de apoiar a memória no trabalho. Contudo, a fotografia continua a ter a missão mais exigente de planificar fielmente objectos tridimensionais. E, para quem não gosta de viajar ou não pode fazê-lo, é útil que os fotógrafos, sejam eles vaidosos ou prestáveis, publiquem as suas obras.

A foto não tem o valor do original mas, se a técnica for apurada, é um excelente sucedâneo. Além disso, a versão digital do mundo facilmente se arquiva, já sem o antigo problema do gasto de rolos, e permite frequentemente esclarecer detalhes que nos escaparam ao vivo. Sem o registo de som ou de cheiros, a fotografia não dispensa, porém, que se cheirem as flores ou se ouça o piar da passarada. E, sobretudo, exige um referencial para que quem só conhece a imagem possa ter uma ideia aproximada do tamanho do que foi fotografado. Vejamos o exemplo desta Silene. Ao leitor parece-lhe uma planta baixa ou alta? A maioria das silenes que conhecemos são herbáceas pequenas, de flores que só são vistosas pela cor das pétalas ou porque a inflorescência é densa. Esta tem pétalas que mal se distinguem pelo tom amarelo pálido, a inflorescência é lassa e a planta tem um ar esquelético. Mas tem base lenhosa, é perene e é gigante, quando a comparamos com outras espécies do mesmo género — e este é um detalhe que não se adivinha pelas fotos.

Foi precisamente por ter quase um metro de altura que reparámos nestes exemplares à beira de uma estrada entre Mogadouro e Alfândega-da-Fé. Lembrou-nos a S. mellifera e a S. nutans, mas a ecologia que as Floras lhe atribuem (sítios secos e matos frescos com solo ácido) diferencia-a bem da primeira (que prefere substratos calcários), e a posição das flores, erguidas como trombetas, afastam-na da segunda, cujas corolas tubulares apontam para o chão (como indica o epíteto nutans).

Trata-se de um endemismo da Península Ibérica de que, por cá, só parece haver registos recentes no nordeste, embora a Nova Flora de Portugal, de Amaral Franco, assegure que também ocorre no centro e na serra de Monchique. O nome específico, atribuído em 1943 pelos botânicos Werner Hugo Paul Rothmaler e António Rodrigo Pinto da Silva, homenageia o botânico António Xavier Pereira Coutinho.

1 comentário :

ZG disse...

Que belo assobio! Uma planta espectacular!