06/09/2014

Camarinha de outras praias



Corema album (L.) D. Don subsp. azoricum P. Silva


Em quase toda a costa atlântica da Península Ibérica, a colonizar dunas protegidas e orlas de pinhais ou zimbrais, ocorre uma planta muito semelhante à que hoje aqui mostramos. A das fotos é dos Açores, onde a ocorrência do género Corema foi primeiramente reportada por Watson em 1843. Nas ilhas, aparece em rochas costeiras de basalto ou em escorrências de lava próximas do litoral, mas pode subir aos 350 m de altitude em lugares expostos e soalheiros. Comparemos as duas versões de Corema album, usando as fotos da Flora On.

À primeira vista, notamos que a folhagem nos Açores é menos densa mas forma almofadões compactos, sem deixar ramos ou a base da planta à vista, talvez para se proteger de uma maior exposição aos ventos e à maresia. Além disso, os frutos das plantas açorianas, igualmente brancos e, por vezes, nacarados, são em geral mais pequeninos. Pouco mais as distingue, a menos que se decida comer um fruto: depois do esgar por causa do sabor ácido, comum a bagas continentais e insulares, podemos ter a sorte de nos calhar um fruto açoriano com mais do que quatro sementes, podendo até chegar às nove. Ora o fruto continental costuma dar três sementes, raramente duas, nunca ultrapassando quatro. (Refira-se, a propósito, que a polpa das bagas tem fama de ser febrífuga e que, por isso, em 1877 houve quem (Boiss. ex Willk. & Lange) chamasse a esta planta Corema febrifugum.) Estes detalhes pareceram, nos anos sessenta do século passado, ao botânico português António Rodrigo Pinto da Silva (1912-1992) razão suficiente para propor que a versão açoriana fosse considerada como uma subespécie autónoma, de nome azoricum. E, em 2002, outros botânicos aduziram mais argumentos que, no seu entender, legitimam mesmo uma independência como espécie, propondo a designação Corema azoricum. A Flora Ibérica mantém a opinião de que se trata de uma só espécie sem diferenciação em qualquer categoria. Agradecemos que, quando chegarem a um acordo, nos informem.

No continente, e embora não se veja com igual frequência ao longo de todo o litoral, a camarinha é fácil de detectar (e só não o é nos Açores por causa da sua raridade): na época da floração, a meio da Primavera, notam-se as flores masculinas com as anteras de cor púrpura (o pólen costuma ser amarelo, não é?) e as femininas com o estigma igualmente avermelhado; e, em qualquer estação, basta seguir o aroma resinoso a que rescendem as folhas (curiosamente, o odor é o mesmo aqui e nos Açores). A polinização está a cargo do vento e os frutos agradam aos pássaros, que tendem a largar as sementes (cuja viabilidade se conserva até dois anos) em espaços abertos, e aos coelhos, que desperdiçam mais porque as deixam nas moitas e a camarinha não germina em lugares demasiado fechados.


Pocinho, Pico
Depois de, sob uma chuvinha retemperadora, vermos a camarinha açoriana junto ao farol da Ponta da Ilha, no Pico, na boa companhia de Lotus azoricum, Myosotis maritima e Spergularia azorica, fomos almoçar peixão num pequeno restaurante por perto. No fim, por tradição local, entregaram-nos uma concha para inscrevermos no seu interior uma mensagem a registar a visita. Desenhámos uma camarinha, legendando o rabisco com o nome científico e o vernáculo que utilizamos aqui no continente. Quem nos serviu o pitéu não sabia que a Ponta da Ilha é um paraíso botânico e desconhecia esta planta até de nome.


Ponta da Ilha, Pico

3 comentários :

ZG disse...

Mais uma planta fantástica que não conhecia!

bea disse...

Tenho por estas bagas uma ternura extrema e toda subjectiva. Por isso deitei às vossas lindas fotos não os olhos mas o cetim da memória. E vi o que nelas não há.
Obrigada.

Anónimo disse...

Ia-se às camarinhas pelos pinhais, entre Miramar (o Senhor da Pedra!!! - e Aguda. Também as encontrei há mais de 30 anos nos pinhais de Leiria. E as pérolas eram de comer e admirar à transparência. Mas nesses lugares assim, tão bonitos... não sei se conseguiria olhar "tanto" o chão.
Enebriam-me o ar e as formas das nuvens e pedras, sempre diferentes,
Abç da bettips