Casa na aldeia
Scrophularia herminii Hoffmanns. & Link
Já aqui comentámos o caso singular da Scrophularia grandiflora, um endemismo de Coimbra e arredores que prospera em ambientes ruderalizados como terrenos baldios e bermas de estrada. Ao contrário de outras espécies de distribuição restrita a que o progresso roubou espaço vital, a Scrophularia grandiflora parece ter adivinhado o que aí vinha, adaptando as suas preferências ecológicas em conformidade. A única estranheza é que, estando tão bem equipada para este novo mundo suburbano de estradas em profusão, não tenha conseguido expandir-se para lá da sua terra natal. Mas ainda vai a tempo.
Quem talvez já tenha perdido a boleia do século XXI é a sua congénere Scrophularia herminii, que por viver dos dois lados da fronteira luso-espanhola teve que se contentar com o título de endemismo ibérico. Apesar disso, é listada no Anexo V da Directiva Habitats, integrando assim o clube selecto das espécies legalmente protegidas no nosso país. Uma dificuldade quando se pretende proteger alguma coisa é saber onde ela mora e conseguir reconhecê-la. A S. herminii é muito semelhante à S. scorodonia, bastante vulgar no norte e centro do país em ambientes nitrófilos frescos. Ambas as espécies têm caules ramificados e podem atingir os 1,7 m de altura, mas apresentam diferenças subtis na folhagem (compare a foto aí em cima com a desta página), na indumentação (a S. herminii tem pêlos glandulosos ao longo de todo o caule, a S. scorodonia só os tem nas inflorescências) e sobretudo nas flores: as da S. scorodonia têm o cálice peludo, as da S. herminii têm-no glabro (5.ª foto acima).
Resolvido o problema do reconhecimento, falta saber onde encontrar a Scrophularia herminii. Também gosta dos ambientes a que nós chamamos nitrófilos, onde a actividade humana exacerbou a presença de nutrientes no solo, mas prefere ares de montanha e é rara abaixo dos 500 m de altitude. As tradicionais aldeias serranas do norte do país parecem ter sido feitas de encomenda para lhe servirem de morada. Enquanto pessoas, bichos e plantas puderem viver em equilíbrio em aldeias como Porto Cova, em Arcos de Valdevez, onde as pedras dos muros florescem não menos do que os campos cultivados e não há brigadas de limpeza a aspergir herbicida pelos cantos — enquanto tudo assim se mantiver, a S. herminii irá sobrevivendo alegremente. Mas o progresso destrutivo é imparável, e Porto Cova, tal como a vizinha aldeia de Sistelo, tem o seu modo de vida ameaçado pela prevista construção de uma mini-hídrica no rio Vez, que corre no fundo do vale para o qual descem socalcos moldados pelo trabalho de muitas gerações. Continua a fazer escola a frase, dita à vista do rio Tua, «agora o que falta aqui é cimento», apesar de quem a proferiu se ter mudado contra a sua vontade para Évora. Mesmo que os promotores garantam ser este «o projecto de uma hídrica mais ecológico que já se fez em Portugal», com um muro de apenas dois metros de altura revestido com «pedra da região», é por certo muito mais ecológico não construir uma albufeira que nenhum dos habitantes de Sistelo ou Porto Cova deseja e que, além de deturpar a paisagem, irá inviabilizar, pelo desvio da água, o cultivo dos prados de lima que preenchem os socalcos. A curto prazo, os agricultores que ainda resistem ver-se-ão forçados a abandonar uma prática quase milenar, e as aldeias ainda mais se esvaziarão — para proveito e por ordem de uns senhores de Lisboa, paus-mandados de multinacionais sem rosto.
Porto Cova, Arcos de Valdevez
3 comentários :
Pois que a vida desta plantinha seja longa. Pelo que isso significa para fauna, flora e vida humana. E também porque a paisagem merece. Fica a gente com vontade de ir morar no meio desta clorofila sossegada (vendo as fotos, que depois chegávamos lá e a vida é a mesma em todo o sítio).
Bela planta, num local fascinante!!
Vamos moendo as frases em voga que custam a engolir.
Casas e casas... quando, como esta planta, nada é preciso mas tudo é precioso.
Olhando o chão.
Abç
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