A rosa da Sertã
Rosa micrantha Borrer ex Sm.
Se a faculdade de nos rirmos não derrete com o calor, então podemos achar graça a quem resolveu chamar Sertã a uma das vilas mais quentes do país. A Sertã já ferve ao lume? Ah Ah Ah, pois é... E soltamos um esboço de riso enquanto enxugamos a testa com o lenço ou abanamos debilmente o jornal à frente do rosto. A piada não nos parece das mais conseguidas e nem moramos na Sertã, aconteceu-nos apenas passar por lá quando a Primavera ensaiava prematuramente para ser Verão. Quem mora na Sertã já lhe sofre as temperaturas, não precisa de juntar ao desconforto físico o embaraço de um trocadilho requentado.
É com o calor que se dá o fenómeno atávico de o homem se transformar num animal anfíbio, como que querendo regressar ao berço ancestral de onde a evolução o expulsou. As terras escaldantes do Pinhal Interior Sul são abençoadas com rios e ribeiras que serpenteiam nos seus leitos de xisto por entre montes cerradamente preenchidos com pinheiros e eucaliptos. Onde as estradas se cruzam com os cursos de água aparecem inevitavelmente as praias fluviais, que não precisam de areia para serem assim chamadas, bastando que seja fácil o acesso à água. A ribeira da Sertã (com 75 Km de extensão) e a ribeira da Isna (45 Km) têm, cada uma delas, pelo menos uma dezena desses oásis de Verão, em que a língua mais falada entre os que mergulham de chapão ou se deixam estar com água pela cintura é (oh lá lá) o francês. Não sendo função deste blogue fornecer dicas de veraneio, dispensamo-nos de listar as melhores praias fluviais da Sertã e arredores. Para quem se interessa por plantas, é nos leitos rochosos destas ribeiras ou entre o arvoredo das suas margens que se concentram as surpresas botânicas, quando já pouco sobra para ver nos montes ocupados por monoculturas florestais ou ressequidos pela estiagem. O único inconveniente é estarmos vestidos da cabeça aos pés e de máquina fotográfica em punho no meio de tanta gente que só quer ir a banhos. O melhor mesmo é fazer as duas coisas: botanizar sem esquecer de mergulhar.
Ao contrário das rosas de jardim, que vão agora dando início à sua temporada de glória, as rosas silvestres já não estão em flor. Nem parece crível que estas flores de cinco pétalas hesitando entre o branco e o rosado tenham algum parentesco com aquelas coisas túrgidas e farfalhudas, de cores variadíssimas, cultivadas em geométricos canteiros de buxo. Esta rosa da Sertã, fotografada junto à ribeira com o mesmo nome mas existente em muitos pontos do país e em grande parte da Europa, não é porém muito diferente das rosas espontâneas que foram domesticadas e combinadas ao longo de séculos para darem origem às milhares de variedades ornamentais que hoje se conhecem. Mas há que levar o assunto com cautela: para quem insiste em dar os nomes certos às plantas espontâneas, dizer que as rosas não são muito diferentes umas das outras é um eufemismo dos mais atrevidos. A proliferação de híbridos e de micro-espécies, as difusas fronteiras entre espécies oficialmente distintas, a subtileza dos caracteres diagnósticos — estas e outras dificuldades tornam o género Rosa praticamente inacessível aos não especialistas. É muito provável que a planta das fotos seja a Rosa micrantha, e isso vê-se não tanto pelas flores (apesar do epíteto micrantha, elas não são de menor tamanho do que as de espécies próximas) mas mais pelos espinhos (4.ª foto), que têm a ponta claramente arqueada e a base decorrente. Também os pêlos glandulosos que revestem cálices, pedúnculos e folhas parecem estar nos sítios certos. Contudo, se em vez da Rosa micrantha for outra coisa qualquer, também não teremos falhado o alvo por muito. Valeu a pena, pois há quase cinco anos que aqui não era vista uma rosa.
ponte das Cabras sobre a ribeira da Sertã
3 comentários :
Sendo um mero amador, já me tinha apercebido da dificuldade na identificação das nossas rosas espontâneas. As suas palavras confirmam as minhas suspeitas.
Um abraço.
Obrigado pelo comentário, Rafael, e um abraço.
tão bonitinha a rosa silvestre. E, sob os arcos, a frescura da ponte das cabras.
Enviar um comentário