18/07/2015

Saúde com árvores


Sorbus latifolia (Lam.) Pers. — Parque da Saúde, Guarda


Entre as muitas criações humanas, há uma que distingue povos e eras pelo modo inventivo como é interpretada e pela evolução que a tem vindo a moldar: trata-se da estrutura arquitectónica, urbanística e paisagística a que chamamos «cidade», guardiã de uma vivência colectiva inestimável. Opõe-se ao «campo», também artificial, essencialmente por ter quase todo o solo impermeabilizado em vez de terrenos de cultivo, bosques ou matos. Todavia, mesmo nas cidades há recantos que a vegetação espontânea consegue colonizar, sejam eles cemitérios, parques, envolventes ajardinadas de escolas ou taludes de estrada, embora a biodiversidade seja pequena. Dirão que tem de ser assim, que é o preço que o uso dos lugares e o conforto que apreciamos comportam, mas a verdade é que algumas cidades (inglesas, mas não só) mostram que a incompatibilidade entre a vida urbana e a vida silvestre pode não ser tão grande como se imagina. Entre nós, parte da culpa da desertificação dos nossos habitats é da limpeza excessiva, com roçadeiras mas também (o que é muito pior) com herbicidas, dos relvados, jardins, parques ou margens de ribeiros que os municípios não entubaram. A pedido, os agentes dessa limpeza podem (raramente) poupar a vegetação de umas poucas manchas, mas têm de as rodear de uma sebe elegante para que não haja queixas pelo aparente desleixo. É que, para muitos, vegetação espontânea é ainda sinónimo de erva daninha, e o que é valioso num jardim ou parque citadino é a planta dita ornamental, de preferência vinda do estrangeiro.

Mas há excepções, e são elas que merecem atenção. Quando entramos no Parque da Saúde da Guarda (classificado como “conjunto de interesse público” no ano passado), somos recebidos por um bosquete denso e tranquilo de sequóias (Sequoiadendron giganteum) cuja penumbra mal permite a sobrevivência de umas poucas herbáceas rasteiras, mantidas com saúde pelos zeladores do Parque. Os edifícios, de 1907, onde funcionou um sanatório para tratamento de doentes com tuberculose, têm janelas altas, varandas com vista ampla para as montanhas e gradeamentos primorosos. Em volta, persistem caminhos por bosques frondosos, assentos para o descanso de quem ali convalesce, e alegres pipilares de muita passarada. Mais acima, há uma zona rochosa onde viceja vegetação da serra. Estranha-se tanto verde: não é este o modelo mais recente de hospital, com fachadas em esquadria, gigantescos parques de estacionamento, entradas de hotel, corredores sem luz directa a cheirar a cloro, e umas magras floreiras onde a natureza domada parece feita de plástico.

É precisamente nessa elevação granítica, num pinhal ralo, que moram alguns exemplares de Sorbus latifolia. Esta é uma árvore caducifólia que aprecia bosques frescos, soutos e principalmente carvalhais, em zonas de montanha perto de linhas de água. Entre os exemplares que vimos no Parque da Guarda, um é uma árvore adulta de copa bonita e os outros têm ainda porte arbustivo. Em Junho, estavam todos profusamente enfeitados com corimbos densos de flores brancas pequeninas, com cálice e pedicelo forrados por lã branca. O fruto é um pomo alaranjado que parece uma pêra anã. As folhas são simples, arredondadas, de margens duplamente serradas, com lóbulos triangulares pouco profundos separados por indentações mais vincadas e face inferior penugenta de cor cinza. Estas características das folhas lembram outras espécies de Sorbus, e crê-se que a S. latifolia resulte de uma hibridação da S. torminalis com a S. aria (que nunca vimos).

Esta Sorbus é nativa da metade norte da Península Ibérica, centro e sul da Europa. Por cá a distribuição é preocupante, pois só parece ocorrer no centro-leste do país, e no portal Flora-On são ainda poucos os registos. Consta também do catálogo das espécies ameaçadas em alguns locais da Europa.

3 comentários :

bea disse...

Hummm...fiquei até com vontade de conhecer o antigo sanatório da Guarda. À parte o lado macabro da doença - e era uma das que isolavam as pessoas - os sanatórios eram lugares campestres e serranos, saudáveis, bonitos; cheios de florinhas a nascer ao Deus dará e grandes panoramas.

A tuberculose mata calmamente, sem grande alarido, apenas uma palidez caracterísitica, a tonalidade de doença a transparecer em todo o corpo, as veias mais visíveis, as mãos que ganham osso, o peito a meter para dentro, a esconder-se para nada. E no doente um deixar-se-ir na consumição da febre. Sem forças nem grande dor. Pois. E o sangue escondido nos lenços ou repentista, em exuberantes golfadas mortais. A hemoptise é o temor do pessoal médico e logo uma correria, uma aflição que se não disfarça apesar das mãos calmas e profissionais. E a natureza assiste sem sobressaltos, nos pinheiros e outras árvores passa a brisa de todos os dias. A mesma.

lis disse...

Num lugar onde o verde predomina há de curar-se ou não ,com mais serenidade .
Muito bom, texto e foto.

Luis Filipe Gomes disse...

Por vezes penso que tudo seria diferente se pequenas placas de xisto ou tabuletas em madeira dessem nome às ervas "daninhas", como já em alguns jardins fazem relativamente as árvores, pois é mais difícil destruir o que se conhece pelo nome.
Ontem fiz sopa e esparregado de uma dessas "infestantes" colhidas num alfobre onde foram semeadas couves para o Natal, as beldroegas (Portulaca olearacea).

Há muitos anos já que os franceses mantêm o campo silvestre a par da esquadria do jardim decorativos e da horta, para essas plantas e insectos que a ignorância ainda não tolera por não saber valorizar como belos ou rentáveis. Era um trabalho de educação a fazer com os mais novos nas escolas essa educação para a coexistência com o silvestre, com o que não é intencionalmente produzido por mão humana.