17/11/2015

Trifásia


Euphrasia alpina Lam.


Euphrasia minima Jacq. ex DC.


Euphrasia stricta J. P. Wolff ex J. F. Lehm.
O consolo-da-vista pode revelar-se uma frustração para um botânico que queira ser escrupuloso. Não sendo nós profissionais da matéria, e não tendo por isso qualquer reputação a defender, é com resignação que acolhemos estas ervitas para uma sempre refrescante lição de humildade. Depois de termos visto duas Euphrasias no Pico Tres Mares, quis a sorte (ou o azar, conforme a perspectiva) que no dia seguinte, numa das paragens da interminável viagem de regresso, pudéssemos juntar uma terceira Euphrasia à colecção. Já em casa, com as fotos transferidas para o computador, ao abalançarmo-nos na tarefa de dar nome às plantas retratadas, eis que as Euphrasias teimavam em não se deixar identificar. Como não as poderíamos trazer a público sem o resguardo de um nome, acabámos por lhes colar as etiquetas que pareciam assentar-lhes menos mal. Fica o leitor prevenido de que o grau de incerteza é elevado. Só no caso da Euphrasia minima, que se singulariza pelas flores amarelas mas também as dá brancas, é que apostaríamos mais do que um chavo na nossa escolha.

A que se deve tanta hesitação? Das 200 a 300 espécies de Euphrasia que o revisor do género na Flora Iberica (vol. XIII, 2009) admite existirem no mundo inteiro, apenas nove, segundo ele, ocorrem na Península Ibérica. Quase todas têm distribuição tendencialmente nortenha, e todas, a acreditar no portal Anthos, alcançam a Cantábria. Se a geografia não nos ajuda a restringir as escolhas, devemos reconhecer, contudo, que nove é um número manejável. A dificuldade está em que o conceito de espécie não foi feito para lidar com as Euphrasias: a hibridação é frequente, e em resultado da autogamia ou das diferentes condições ecológicas duas populações alegadamente da mesma espécie podem ter aspectos bem diferentes, seja no tamanho e grau de ramificação das plantas, seja na cor das flores. Dependendo das variações climatéricas, certas características morfológicas podem alterar-se de ano para ano dentro da mesma população. Em resultado de tudo isto, foram descritas dezenas de micro-espécies que hoje são tidas como simples ecótipos, e raramente dois especialistas exprimiram idêntica opinião quanto à circunscrição das espécies ou à sua efectiva existência.

Como é regra no género a que pertencem, as Euphrasias ibéricas são plantas hemiparasitas, embora possam uma vez por outra sobreviver sem hospedeiro. Em contraste com as suas congéneres açorianas, são pequenas herbáceas anuais, de flores diminutas, com uma predilecção por habitats de montanha. A Euphrasia minima, erecta e pouco ramificada, com uns 15 a 30 cm de altura e flores de uns 4 ou 5 mm de diâmetro, pode passar despercebida entre os matos rasteiros onde costuma resguardar-se. As outras duas espécies aqui fotografadas não são muito mais avantajadas. A que identificámos como E. alpina apresenta abundante ramificação e flores claramente maiores do que as das outras duas espécies; diverge porém das formas típicas de E. alpina pela cor das flores (que deveriam ser rosadas) e pela forma das folhas, que a aproximam mais da E. salisburgensis. Esta última, porém, tem flores pequenas e prefere solos básicos. Finalmente, a nossa terceira espécie, a hipotética Euphrasia stricta, foi por nós assim baptizada por causa do recorte das folhas e porque, tendo-nos aparecido numa berma de estrada, a sabemos frequente na Cantábria. Trata-se de um taxón algo indefinido, quiçá albergando várias espécies distintas, o que, para nossa tranquilidade, dificulta um desmentido categórico da identificação proposta.

Em Portugal continental só estão assinaladas duas espécies de Euphrasia (E. hirtella e E. minima), ambas raríssimas e ambas apenas em Trás-os-Montes, mas alguém com apreço pela nossa língua resolveu que elas deveriam ter nome em português e chamou-lhes consolo-da-vista. Apesar de ele nunca ter andado nas bocas do povo, gostamos do nome, que ecoa ao vernáculo noutras línguas (eyebright em inglês, augentrost em alemão) e recorda o antigo uso destas plantas no tratamento de problemas oculares.

2 comentários :

bea disse...

A euphrasia lilás é um mimo.

Uma paisagem tão bonitinha e o palerma do veado a olhar para trás. Ora esta.

ZG disse...

São belíssimas e extremamente raras (em Portugal), as eufrásias!