14/11/2015

Estender a manta


Alchemilla xanthochlora Rothm.




Alchemilla alpina L.
Basta um olhar de relance pelos jornais para notarmos como a língua portuguesa tem sido contaminada por anglicismos ou neologismos semânticos um pouco insólitos. Há que reconhecer que o português não parece ter a mesma facilidade que o inglês em construir palavras curtas com um significado exacto (como email, internet, google, slogan, stress). Mas não se perdoa o uso intensivo de estrangeirismos havendo vocabulário equivalente em português que, por ignorância ou falta de brio como utentes da língua portuguesa, muitos desprezam ou tratam mal. Ora vejam-se os casos de "phones" em vez de "auscultadores"; "hoodie" em vez de "capuz"; "printar" em vez de "imprimir"; "saite" em vez de "sítio"; "antecipar" em vez de "prever"; "deletar" em vez de "apagar"; "resiliente" em vez de "resistente"; "eventualmente" em vez de "por fim", "assumir" em vez de "supor", "mapa" em vez de "função". Dirão que tamanha quantidade de palavras ou significados novos é um enriquecimento da língua, tal como para alguns a introdução de flora exótica o é do nosso património natural. Pois sim, mas todos os acrescentos recentes são como os mencionados acima e, portanto, não se trata de vocábulos originais. De facto, não nos lembramos de ver nascer recentemente uma palavra nova na língua portuguesa (excluindo desta categoria os híbridos notáveis de Mia Couto), nem sabemos bem como isso ocorre. Ainda que a hipótese soe improvável, seria prodigioso que a linguagem criasse realidade ainda não estreada.

A brevidade telegráfica a que aludimos não é indispensável nas expressões vernaculares com que designamos plantas e bichos, e não nos parece faltar talento para as inventar. Para o género Alchemilla, há registo de vários nomes curiosos, como erva-estrelada, pata-de-leão e pata-de-urso; em inglês, por falta de leões e ursos, chamam-lhe lady's mantle. Estas herbáceas são parentes das rosas, cerejeiras, morangueiros, macieiras, pereiras, etc., na família Rosaceae, mas não têm como estas espécies flores vistosas. Ervas perenes, sobrevivem com um rizoma aos rigores do Inverno, além de resistirem bem à humidade elevada e ao ar rarefeito das montanhas. Na Primavera, exibem folhas de longos pecíolos, palmadas como leques e divididas, notando-se nas margens uns dentinhos ou alguma penugem. As flores, essencialmente de Verão, são minúsculas, esverdeadas e sem pétalas, e agrupam-se em inflorescências terminais bem destacadas da folhagem. Há decerto polinizadores atraídos por esta configuração floral, mas a maioria das espécies de Alchemilla não se reproduz sexualmente, optando pela apomixia (isto é, o fruto desenvolve-se sem que haja fecundação, apenas a partir do óvulo ou de uma célula vegetativa). Não surpreende, por isso, que convivam no mesmo habitat espécies distintas de que não se conhecem híbridos, como estas duas vizinhas que vimos na Cantábria.

O género Alchemilla não é raro na Península Ibérica (onde há registo de 84 espécies) nem na Europa e Ásia (onde esse número ascende a cerca de 300), e até há algumas espécies tropicais neste género, nativas de montanhas altas do sul de África e da América do Sul. Mas a sua preferência por regiões montanhosas e muito frias exclui quase todo o território português, bafejado por clima ameno e com influência mediterrânica. Sobra o topo da serra da Estrela, claro, onde se conhece uma espécie de Alchemilla que vive em fendas de rochas acima dos 1700 metros, mas que nunca vimos.

1 comentário :

ZG disse...

Belas Alchemillas, efectivamente!!