A importância de ser endémica
Aichryson villosum (Aiton) Webb & Berthel.
Quando se fala da flora das ilhas, são as espécies endémicas que atraem as maiores atenções e concentram os mais desvelados esforços de conservação. Daí também terem sido os endemismos do Porto Santo que primeiro quisemos aqui mostrar. Esse foco prioritário nos endemismos não deve porém fazer-nos esquecer o resto. Em primeiro lugar, porque as plantas endémicas não sobrevivem sozinhas: os habitats que ocupam acolhem muitas outras plantas nativas, e é impossível proteger umas ignorando outras. Preservar o equilíbrio ecológico que sustenta as plantas endémicas obriga-nos a cuidar das plantas indígenas como um todo, sejam elas ou não endémicas. Se uma planta indígena desaparece de uma ilha, é a biodiversidade local que fica empobrecida. E as alterações de habitat que conduzem a tal extinção (ou resultam dela) não deixarão, a prazo, de ameaçar igualmente as espécies endémicas.
Outra razão forte para não desdenhar das plantas nativas que não são tidas como endémicas é que esse estatuto pode sofrer alteração. O isolamento próprio da condição insular (passe a redundância) faz com que as populações da mesma espécie instaladas em diferentes ilhas acabem por se diferenciar — e chega um momento em que as diferenças são tantas que não é razoável declarar que são ainda da mesma espécie. Essa evolução não se passa à nossa escala temporal, podendo levar centenas de milhares de anos. Assim, as mudanças de estatuto (de nativa para endémica) devem-se, não a uma evolução súbita das populações estudadas, mas a comparações mais atentas, à maior facilidade em realizar estudos genéticos, e (por vezes) a divergências de opinião entre peritos.
Outra questão, esta quase de índole semântica, é a escala a que se usa o termo "endémica". Há os endemismos de uma ilha só, os que surgem em várias ilhas do mesmo arquipélago, e ainda os que se estendem por dois ou mais arquipélagos. Por vezes os arquipélagos formam uma unidade geográfica indiscutível, outras vezes nem por isso. Pode argumentar-se que os Açores não são um mas três arquipélagos, e que foram as vicissitudes da história humana que criaram uma unidade algo artificial.
Mas não há convenções geo-políticas que possam desvalorizar o facto de uma planta ser exlusiva de uma pequena ilha: há-de ser sempre só dessa ilha, e só do arquipélago a que a ilha pertence, seja qual for o nome que se lhe dê. Em 2015, a ilha de Santa Maria viu reconhecido um novo endemismo, Aichryson santamariensis, antes chamado Aichryson villosum. No artigo em que fundamentam a promoção, os autores (Mónica Moura, Mark A. Carine, Miguel Menezes de Sequeira) assinalam, além das diferenças genéticas, importantes diferenças morfológicas entre a "nova" espécie e a espécie madeirense com que antes tinha sido confundida (e que, fotografada em Porto Santo, aparece nas imagens aí em cima). A mais notória é que a versão madeirense é muito mais peluda (vilosa, justamente) e com pêlos muito mais compridos do que a versão de Santa Maria. Distinguem-se também na forma das folhas (as do A. santamariensis têm o ápice ligeiramente crenado) e dos cálices. Nem sempre óbvia é a diferença de tamanho, mas o Aichryson villosum é tendencialmente maior do que o Aichryson santamariensis, com inflorescências mais abundantes.
De resto, ambas estas crassuláceas são plantas anuais de lugares pedregosos, vivendo tanto a pleno sol como em lugares sombrios. Com a separação, também a Madeira ganhou um "novo" endemismo, o terceiro do género Aichryson no arquipélago, e o único que ocorre na ilha do Porto Santo.
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3 comentários :
Tão lindas e penugentas. Parecem pintainhos acabados de nascer.
Nem o género conhecia, quanto mais a espécie. Grato.
Obrigado pelo comentário, Francisco. O género Aichryson é quase exclusivo da Macaronésia, e portanto torna-se necessário ir às ilhas para o observar. Na Madeira suponho que é fácil ver tanto este Aichryson villosum como o A. divaricatum.
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