15/11/2016

Sapinhos no sapal




Spergularia marina (L.) Besser

Os sapinhos do reino vegetal não coaxam nem têm patas, mas pelo menos são verdes. Os nomes comuns das plantas, quando os há genuínos, conseguem ser tão misteriosos como certos nomes científicos. Com um pouco de imaginação, lá se consegue engendrar uma explicação mais ou menos plausível mas sem qualquer base segura. Assim, algumas plantas do género Spergularia dão-se bem em habitats salobros de estuários ou de rias — ou seja, naqueles lugares atraentes para anfíbios a que costumamos chamar sapais. E que haja sapinhos num sapal parece quase uma necessidade. O maior óbice a esta pseudo-explicação é que as espécies mais comuns do género (como a Spergularia purpurea) preferem lugares secos, às vezes pisoteados, e não têm especial apetência pelo sal.

Um sapinho que gosta mesmo de água com sal é a Spergularia marina que ilustra este texto, fotografada no início de Junho na Barrinha de Esmoriz. O epíteto marina já denuncia, aliás, a sua preferência por habitats costeiros. Para dificultar a vida ao amador de botânica, não é esta a única Spergularia que surge em prados salinos e em juncais de beira-mar: uma outra não menos frequente nesses lugares é a S. media, sendo até habitual encontrá-las juntas. Uma olhada às fotos desta última convence-nos que distingui-las não é trivial, como aliás seria de esperar num género tão uniforme como este. Mas não é tarefa impossível: se atentarmos no aspecto geral da planta, a S. marina é mais grácil, com caules mais finos e flores mais pequenas do que a S. media. Não havendo oportunidade de as observar lado a lado, este critério comparativo de pouco nos serve. Aí socorremo-nos de um outro critério mais objectivo, mas que talvez exija o uso de lupa (ou de um par de olhos bem afinados): a Spergularia marina tem um número variável de estames por flor, em geral seis ou menos (confira nas duas últimas fotos), ao passo que na S. media as flores nunca têm menos que sete estames e quase sempre têm dez (veja esta foto).

Já que o método da contagem se revela, neste caso, tão bem sucedido, eis mais um exemplo da sua aplicação. O nome Spergularia provém de Spergula, e informa-nas que estes dois géneros são semelhantes. E são na verdade tão próximos que alguns autores até os consideram sinónimos. A Spergula arvensis, de flor branca, é presença habitual em pousios ou na orla de campos de cultivo. Não é porém a cor das flores que separa os dois géneros, pois também no género Spergularia há espécies de flor branca (lembremos a nossa bem conhecida Spergularia azorica). O segredo está no número de estigmas, que são aqueles apêndices terminais do carpelo (parte feminina da flor) que recebem os grãos de pólen. Na Spergularia são três os estigmas (última foto acima e também aqui), enquanto que na Spergula eles são cinco (veja aqui).

2 comentários :

bea disse...

Os estigmas e os estames a distinguirem duas espécies de spergularia. Não cesso de admirar-me com o mundo natural, é miraculoso que flores tão pequenas consigam ser tão bonitas e perfeitas.

Francisco Clamote disse...

Tenho-me debatido com frequência com o problema da distinção entre "Spergula" e "Spergularia". A distinção, com as dicas do Paulo, suponho que passará a ser relativamente fácil. Obrigado, Paulo. Uma vez mais.