28/03/2017

Madeira Fern Fest (6)


Polypodium macaronesicum A. E. Bobrov subsp. macaronesicum


Com a sua forma simples e simétrica, que poderia ter sido rabiscada por uma criança, os polipódios são dos fetos mais comuns e mais simpáticos. Gostam da humidade e do tempo fresco, e por isso as suas folhas secam e desaparecem lá por meados de Abril, regressando com as chuvas de Outono. O seu calendário é o oposto do das árvores de folha caduca onde costumam empoleirar-se, com o admirável resultado de fornecerem a cabeleira postiça exactamente quando as árvores precisam dela. Além de enfeitarem a nudez das árvores, também são vistos em muros e em telhados. Às vezes descem até ao chão e despontam à sombra das árvores, outras vezes instalam-se em depressões dunares, com a maresia suprindo aquele grau de humidade que lhes é indispensável.

Embora a distinção entre eles possa ser subtil, há em Portugal continental três espécies de Polypodium. Não têm todos a mesma fenologia, e de facto o desaparecimento estival é mais característico do P. cambricum, que surge a baixas altitudes de norte a sul do país, mas com particular incidência na metade oeste. O P. vulgare, característico de bosques em zonas montanhosas e restrito ao norte e centro, pode manter-se viçoso durante quase todo o ano. A diferença entre os dois é notória: o P. cambricum tem as folhas bastante largas, enquanto que o P. vulgare as tem estreitas. Mas a terceira espécie vem dificultar as coisas: o P. interjectum é, em quase tudo, a média aritmética dos outros dois, e não é surpresa saber que resultou deles por hibridação e poliploidia.

Se rumarmos aos Açores ou à Madeira, mudam as árvores e mudam os muros, mas os polipódios não mudam assim tanto. A julgar pelas fotos que ilustram este texto, as duas primeiras tiradas no Porto Santo e as restantes na Madeira, o polipódio dessas ilhas assemelha-se muito, até na dessecação estival, ao P. cambricum do continente. O mesmo sucede nos Açores, como se pode ajuizar pelas fotos nesta página. Há contudo diferenças morfológicas, algumas delas microscópicas, entre os polipódios insulares e os continentais, motivo para em 1964 os polipódios macaronésios terem sido emancipados numa espécie autónoma. Estudos moleculares posteriores confirmaram a separação, estabelecendo ainda que o o P. cambricum e o P. macaronesicum pertencem à mesma linhagem, diferenciando-se por umas tantas mutações genéticas.

O nome Macaronésia sugere uma uniformidade de clima e de vegetação que anda longe de ser real. O polipódio ocorre nos Açores, Madeira e Canárias, mas será o mesmo nos três arquipélagos? Nos Açores as suas folhas têm uma textura mais coriácea, e as tentativas de hibridação (realizadas em 1996 pelo botânico R. Neuroth) do polipódio açoriano com o P. macaronesicum da Madeira e das Canárias, e com o P. cambricum do continente, falharam todas (por contraste, os dois últimos hibridaram sem dificuldade). Isso justificou a opção de alguns autores, que consideraram o polipódio açoriano como pertencente a uma terceira espécie, endémica do arquipélago.

Um artigo de 2014 de Fred Rumsey et al., intitulado Taxonomic uncertainty and a continental conundrum: Polypodium macaronesicum reassessed, veio pôr ordem no assunto. Os autores descrevem a genealogia do polipódio insular e, depois de um estudo exaustivo, reconhecem nele duas estirpes, uma na Madeira e nas Canárias, a outra nos Açores. As diferenças genéticas e morfológicas são suficientes para distinguir duas subespécies, mas não duas espécies, e por isso o P. azoricum é despromovido a P. macaronesicum subsp. azoricum. Em todo o caso, pertencendo o P. macaronesicum à mesma linha evolutiva do P. cambricum, e existindo nas ilhas uma maior diversidade genética nessa linhagem do que no continente europeu, os autores sublinham que não é de descartar a hipótese (que só outro estudo poderá confirmar ou desmentir) de o P. cambricum descender da variante insular, em vez de se verificar a hipótese contrária (e aliás mais plausível).

2 comentários :

José Batista disse...

Além do interesse dos polipódios, a segunda foto revela também dois líquenes (seres vivos que resultam da associação simbiótica entre algas verdes e fungos) muito bem desenvolvidos (e bonitos, já agora), que (eu) suponho que não se dariam bem em qualquer cidade ou zona (ou via de circulação) com muito trânsito e/ou indústria, porquanto (me parecem daqueles que) são muito sensíveis à poluição derivada da queima de combustíveis fósseis.
O que não admira, pois crescem no Porto Santo...

Paulo Araújo disse...

Obrigado pelo comentário, José Batista. De facto esses líquenes são muito bonitos, e se bem me lembro são frequentes nos cumes do Porto Santo. Seria presunção da minha parte tentar dar-lhes nomes, mas agradeço se alguém quiser ajudar.