01/08/2017

Lindas azedas

As folhas trifoliadas lembram as de um trevo, mas pela flor, com cinco pétalas venadas de lilás, percebe-se que não é do género Trifolium. Esta espécie de Oxalis, que Lineu descreveu em 1753, é comum em bosques antigos e sombrios da Europa e Ásia. Por cá, só se conhecem registos dela em regiões mais elevadas do Minho onde ainda sobram alguns carvalhais não perturbados. As fotos são de plantas da Cantábria, que aí convivem com o visco dos druidas e muitas outras herbáceas famosas.


Oxalis acetosella L.


As flores das aleluias são tacinhas com cerca de 2 centímetros de diâmetro que nascem entre Março e Junho, logo que a camada de neve começa a diminuir mas antes que as densas copas das árvores impeçam a luz de se infiltrar através da ramagem. Os pedúnculos das flores são altos e organizam-se com as folhas num arranjo interessante. Durante o dia, os folíolos formam um leque aberto e plano, num esforço conjunto para reduzir a sombra que cada folha pode causar nas restantes e, desse modo, garantirem a captação de toda a luz disponível. Para isso, as nervuras das folhas são ramificadas, permitindo à planta tê-las mais largas. Sobressaem, então, dessa mesa de folhas as flores brancas e pequeninas. Pelo contrário, à noite ou quando chove, os folíolos dobram-se (note-se a nervura central vincada em cada folíolo, o que facilita o origami) e, enquando agasalham a base da planta, impedem que o frio intenso, o vento forte ou a água em excesso os estraguem. Depois da floração, amarelecem e a planta hiberna, vivendo dos nutrientes que guardou no rizoma até à Primavera seguinte.

Admitindo que a maior parte dos detalhes morfológicos das plantas são de algum modo favoráveis às respectivas espécies, perguntamo-nos por que razão as folhas de algumas espécies são divididas em folíolos e que benefício retiram da coloração vistosa no Outono (em geral, tons de vermelho, laranja ou amarelo), precisamente quando estão prestes a cair.

O mais certo é que as tonalidades outonais sejam apenas resultado da interrupção da fotossíntese e da produção de clorofila, numa época do ano em que há cada vez menos horas de sol e a planta não pode despender a energia que uma folhagem vasta exige. Além disso, uma tal pigmentação também deve ser resultado de a planta sugar das folhas todos os nutrientes que ainda lhes restam antes de as soltar. Sim, tudo isso determina o tom de verde menos viçoso das folhas envelhecidas. Mas quanto a colorirem de vermelho ou púrpura folhas que estão à beira de morrer, isso parece a alguns botânicos exigir esforço. Sendo assim, a planta deveria retirar daí algum proveito. Mas qual? Há especialistas que afirmam que a cor está associada a substâncias anti-oxidantes, que protegem a base da planta e aumentam a eficiência com que absorve nutrientes durante o período invernal de dormência. Mas, dizem, para isso resultar, é essencial que tais folhas não sejam comidas pelo gado ou outros animais, nem se arruinem por servir de ninho para os ovos de insectos. A cor funciona, por isso, como um alerta de perigo, que dissuade possíveis predadores. Há outros cientistas, porém, que afirmam o contrário: em vez de tentar afastar, a cor forte chama a atenção de pássaros e outros bichos, que assim reparam nos frutos inconspícuos que caem com as folhas, os comem e disseminam. Controvérsia à parte, algumas destas vantagens decerto se aplicam a plantas que, como a O. acetosella, formam tapetes de folhas tenras, têm frutos pequeninos e vivem em habitats de solo rico mas com pouca luz.

Quanto à forma das folhas, em particular a opção por dividi-las ou enfeitar-lhes as margens, há decerto também vantagens a assinalar. O mais provável é que resultem de adaptações ao habitat, seja para as folhas não se destruirem com o vento, seja para reduzirem a perda de água, ou ainda para optimizarem a exposição solar. As folhas de plantas de bosques sombrios, como a O. acetosella, tendem a ser maiores mas mais finas, e a divisão em folíolos confere-lhes uma resistência que talvez não tivessem se fossem inteiras. Neste capítulo, a vulgar relva de estádio é das plantas mais especializadas e bem sucedidas: para fazer face ao cortes persistentes, as folhas são estreitas e longas, com textura rugosa e margens cortantes, e o crescimento centra-se não na ponta mas na base da folha. É como se crescêssemos apenas junto aos pés.

3 comentários :

bea disse...

Interessante leitura sobre uma plantinha a que pouco ligamos e desconhecia que florisse.

José Batista disse...

Uma explicação simples que damos aos alunos para a variação da cor das folhas das plantas de folha caduca, no Outono, perdendo o verde e ganhando tonalidades vermelhas, amarelas, acastanhadas, etc., é precisamente a destruição da clorofila, em correlação com a diminuição progressiva da fotossíntese. Havendo outros pigmentos mais duráveis, como carotenos (alaranjados), xantofilas (amarelas...) e outros, esses passam a ser visíveis (antes não o eram devido à predominância das clorofilas) e originam as, por vezes, belíssimas composições de cor do Outono.
Nas algas castanhas (devido à fucoxantina) ou vermelhas (devido às ficobilinas e ficoeritrinas), as cores devem-se igualmente à abundância desses pigmentos relativamente às clorofilas, por razões que se relacionam com as diferentes radiações luminosas a captar em águas diferentes e a diferentes profundidades (o grau de "penetração" das várias radiações no seio da água é diferente...).
Se se arranjar um solvente dos pigmentos que não dissolva as clorofilas e se se mergulharem nele algas castanhas ou vermelhas, elas, ao fim de algum tempo ficam... verdes.
Claro que as variações de pigmentação, tamanho, forma e disposição das folhas têm relação directa com a sobrevivência diferencial e a evolução. Porém, tendemos a (tentar) arranjar explicação vantajosa para todas as características dos seres vivos e, às vezes, isso não corresponde à realidade: quer dizer, certas características existem porque foram "ensaios" da Natureza (que apareceram por acaso...), eventualmente úteis, em dados ambientes, mas, uma dada característica pode não constituir vantagem nem desvantagem e, por isso mesmo, continuar a ser transmitida de geração em geração, até à altura em que se torne prejudicial. Nessa altura, a "selecção natural" actuará sem complacência...
Peço desculpa pela extensão do comentário. Não foi com intenção crítica nem, muito menos, por impulso exibicionista...

Maria Carvalho disse...

bea: Nós até gostaríamos de dar mais atenção a esta plantinha, mas é tão difícil encontrá-la por cá.

José Batista: Muito obrigada pelo seu contributo.