06/12/2020

Bálsamo das ilhas

Decerto o leitor já terá notado que algumas plantas surgem aqui com galardões de qualidade que outras não exibem. A etiqueta «espécie endémica» é um deles, como a que identifica queijos e presuntos de regiões demarcadas. Serve essencialmente como um alerta para a originalidade dessa espécie, ou para o carácter localizado das suas populações nativas. Ser endémico de regiões muito restritas é frequentemente sinónimo de raro, ou a precisar de medidas de conservação, mas é também um bom pretexto para comparações com espécies semelhantes de outros lugares, e para o estudo dos eventuais processos evolutivos que geraram as diferenças. Há, porém, uma questão prévia que ainda não resolvemos: como é que se decide que uma espécie é endémica de um dado local?



Claro que se a espécie tiver uma distribuição muito pontual, o mais provável é que tenha o seu berço nesse habitat. Mas se for cosmopolita, ou ocorrer em várias regiões distantes umas das outras, como se sabe em que locais foi cultivada, de que jardins escapou, ou de onde provém? A vasta literatura indica que podemos estar descansados quanto a esse trabalho de arqueologia botânica: há estudos genéticos fiáveis para responder a estas perguntas, muito mais fáceis afinal do que saber de onde surgiu um vírus.

Cedronella canariensis (L.) Webb & Berthel.


No caso do arbusto que vos mostramos hoje, com cerca de um metro e meio de altura, as conclusões sobre a sua origem ainda deixam dúvidas. O género Cedronella é monoespecífico, com uma espécie endémica das Canárias e da Madeira, descrita em 1845 por P. B. Webb e S. Berthelot na revista Histoire Naturelle des Îles Canaries. Não surpreendentemente, Lineu já sabia da sua existência em 1753, mas designou-a então Dracocephalum canariense e este nome foi abandonado a favor do actual. Em 1844, H. C. Watson recebe notícia do botânico amador (e cônsul britânico nos Açores) Thomas Hunt sobre a presença da C. canariensis na ilha de S. Miguel, e divulga a novidade em 1847 no London Journal of Botany. Hunt suspeita que os exemplares de S. Miguel possam ter origem no cultivo, pois das folhas aromáticas da planta prepara-se um chá saboroso, muito apreciado nas Canárias. Há agora também registos da espécie nas ilhas do Faial e de Santa Maria, aparentemente bem adaptada às florestas de Myrica faia e Pittosporum undulatum, e em algumas obras a C. canariensis surge listada como sendo também nativa dos Açores.

Enquanto aguardamos por uma decisão final, notemos que, ao contrário do que é usual na família Lamiaceae, esta «hortelã» tem folhas compostas, com três folíolos de margens serradas num pé longo. No cimo dos talos surgem, no Verão, cachos de flores tubulares rosadas com cerca de 2cm de comprimento. Os exemplares das fotos são de um recanto de floresta laurissilva em Anaga, Tenerife.

1 comentário :

bettips disse...

Gosto. Deste espaço e do que dizem/mostram, há que anos!
Abçs