04/04/2021

Dona Genciana revisitada




Portugal, talvez por falta de cadeias montanhosas elevadas, foi muito desfavorecido face a Espanha na partilha de espécies de Gentiana: só temos duas (G. pneumonanthe e G. lutea, esta só na serra da Estrela) e os nossos vizinhos têm 13; se lhes acrescentarmos os géneros aparentados Gentianopsis e Gentianella, o saldo final é de 16-2 a favor de Espanha. Que, com toda esta prodigalidade, ainda pôde assegurar que duas dessas espécies (G. boryi e G. sierrae) fossem exclusivas do seu território.

Os Pirenéus, que visitámos uma única vez, é um local de eleição, mesmo nos meses mais quentes, para quem queira familiarizar-se com a diversidade de gencianas e aparentadas, acolhendo algumas espécies amplamente distribuídas na Europa. Duas delas são hoje aqui apresentadas, e servem de pretexto para averiguar das diferenças entre uma Gentianella e uma genuína Gentiana.

Gentianella campestris (L.) Börner
Na Gentianella campestris (fotos em cima) as flores têm quatro pétalas, o mesmo valendo para a Gentianella amarella, a outra espécie ibérica do género. Poderá ser esta uma característica diferenciadora? Parece que não. É que, embora a maioria das espécies de Gentiana tenha cinco pétalas, há pelo menos uma excepção, a Gentiana cruciata, que apresentamos abaixo. Outra possível divergência estaria no ciclo de vida: as duas espécies ibéricas de Gentianella são bienais, enquanto quase todas as de Gentiana são perenes. Mais uma vez uma excepção vem boicotar a teoria: a Gentiana nivalis, especialista em alta montanha, é uma planta anual.

Uma diferença promissora é que, na Gentianella, os lóbulos da corola (é algo incorrecto falar em «pétalas» quando elas não estão claramente autonomizadas) têm a base fimbriada, formando uma franja na abertura do tubo floral. Essa franja está ausente de todas as espécies de Gentiana, mas surge também, e de modo ainda mais visível, na Gentianopsis ciliata, uma falsa genciana em que todo o bordo da corola está guarnecido de cílios. Assim, quando o leitor, nas suas andanças pós-pandémicas pelas montanhas europeias, deparar com uma planta que lhe pareça ser uma Gentiana mas apresente flores mais ou menos franjadas (não se esqueça da lupa, tão indispensável ao seu kit de sobrevivência como o aparelho de gps, a garrafa de água e o bastão de caminhada), já poderá declarar confiante que se trata afinal de uma Gentianella ou Gentianopsis (ou simplesmente Gentianella, pois a opinião mais recente é que os dois géneros são um só).

Gentiana cruciata L.


Para terminar, uma palavra de apreço pela Gentiana cruciata, uma planta de prados de montanha e clareiras de bosques em altitudes não demasiado elevadas (até 2000 m), com preferência por substratos calcários. As flores tubulares azuis, mais ou menos pigmentadas na garganta, são traços de família que saltam à vista. No entanto, as folhas grandes e os caules robustos, e a disposição das flores em verticilos axilares (ver 1.ª foto), diferenciam-na claramente de outras gencianas azuis de flores semelhantes (como a G. pneumonanthe e a G. angustifolia). Dir-se-ia que a G. cruciata se situa na transição entre esse grupo de espécies, formado por herbáceas tendencialmente rasteiras, e as avantajadas G. lutea e G. burseri.

1 comentário :

Teresa disse...

Muy interesante, me encanto verlas. Besos.