13/06/2024

Assobios de Miranda



Havendo um período de floração declarado oficialmente nas Floras, o mínimo que se espera é que as plantas o cumpram escrupulosamente para que polinizadores, amadores e fotógrafos não sejam defraudados nas suas justas expectativas de obter nessas datas mel, contentamento e imagens (respectivamente, claro). Mas há espécies que são esquivas como lebres, seres estranhos numa era em que poucos dispensam várias fotos por hora a ilustrar as trivialidades do dia-a-dia. Mostramo-vos hoje uma dessas espécies, que nos obrigou a fazer, durante cinco anos, entre Abril e Maio, cinco viagens a Miranda do Douro. No início de Maio de um ano já só havia cápsulas secas com as sementes; a meio de Abril do ano seguinte ainda nem se notavam as hastes das flores. Só no fim de Abril de 2024 lográmos ver-lhe as flores.

Silene conica L.


Esta herbácea é anual e mede cerca de 15 cm de altura. As flores são diminutas (o cálice da flor não mede mais de 2 cm) e nota-se uma lanugem fina e macia nos talos e folhas. A formosura está quase toda nas cápsulas cónicas, que lembram cebolinhas estriadas, ou balões que apetece apertar para ver se soltam um assobio. Vimo-la sobre as muralhas de Miranda do Douro (ouvindo os pauliteiros a ensaiar ali perto), um local com saibro de fraca estabilidade e demasiado pisoteado; e em prados próximos às muralhas, com solo arenoso, cuja vegetação corre anualmente o risco de ser cortada à escovinha para não parecer que a autarquia é desmazelada a cuidar dos monumentos do concelho.

Os dados de ocorrência desta Silene em Portugal indicam que é rara por cá (são conhecidos apenas quatro núcleos com poucos indivíduos junto à fronteira leste com Espanha) e que está a perder habitat favorável. Por este andar, não tardará a desaparecer no nosso território. É certo que a sua distribuição é vasta (além da Península Ibérica, existe no centro e sul da Europa, em parte da Ásia e no norte de África), mas seria embaraçoso para cientistas, autarcas e instituições que financiam a investigação neste país que se extinguisse alguma espécie em Portugal neste século — sobretudo uma como esta, com risco de extinção solenemente anunciado na Lista Vermelha da Flora. Ninguém poderá alegar que não foi avisado.

4 comentários :

ZG disse...

Belíssima planta! - Mas, possivelmente, várias espécies em Portugal se extinguirão neste (ou noutro) século - receio que seja inevitável, quer queiramos quer não, pois será a própria dinâmica da Natureza...

Francisco Clamote disse...

Que belo assobio! Já passei por aí várias vezes e nunca vi a planta, embora já sabendo que ela andava por aí. As imagens justificam bem a insistência. Parabéns.

Carlos M. Silva disse...

Reitero os comentários anteriores sobre a beleza inflamada desta planta que nunca vi.
Claro que continuo a seguir-vos e convosco a aprender.
Obrigado pelo mundo floral que dão a conhecer.
Carlos M. Silva

ZG disse...

Tive a sorte de obs. esta Silene tão bojuda na longínqua Albânia, mas nunca em Lu!!