12/10/2024

Arenária amorosa & arenária picante



Há plantas tão coladas ao chão que dir-se-iam feitas para serem pisadas. Por vezes o pisoteio é inerente à sua forma de vida, pois o trânsito de pessoas ou de gado nitrifica o solo e torna-o mais acolhedor para plantas com tendências ruderais. Outras vezes o pisoteio é uma contingência inesperada que em nada beneficia as plantas: elas são rasteiras por adaptação ao habitat agreste, em lugares onde a presença humana ou de animais de grande porte era residual ou inexistente. O turismo de montanha, o pastoreio que ascende a altitudes cada vez mais elevadas, os bandos de cabras assilvestradas — tudo isso são factores que vieram perturbar existências vegetais até então tranquilas.

Arenaria tetraquetra subsp. amabilis (Bory) H. Lindb.


Noutras eras, subir ao topo da serra Nevada, a 3400 metros de altitude, era um feito demorado que exigia preparação e cautela, e que só aventureiros ou estudiosos tinham razões para tentar. Hoje em dia, são muitos os que sobem ao cume confortavelmente sentados em cabines de teleférico, e tão ávido amor pela natureza é quase sempre prejudicial ao objecto amado. Entre as plantas que se arriscam a ser calcadas sem terem recebido formação para tal destaca-se uma cariofilácea de flores brancas — uma arenária que, usando as armas da sedução para se defender, se declara amorosa. É isso que nos diz a palavra latina amabilis, sendo Arenaria tetraquetra subsp. amabilis o nome completo dessa planta que forma extensos tapetes verdes nas zonas mais elevadas da serra. Na verdade, quando em meados de Julho chegam as hordas de visitantes estivais já os tapetes mudaram para branco, pois a floração é tão abundante e cerrada que nem deixa ver as folhas. Porque ficam mais visíveis e não é de bom tom sujá-los, é provável que os tapetes brancos sejam menos castigados pelos pés dos caminhantes distraídos.

A Arenaria tetraquetra só não é endemismo espanhol porque surge também na vertente francesa dos Pirenéus. No entanto, as plantas pirenaicas, pertencentes à subespécie tetraqueta, são distintas das nevadenses por terem flores de quatro pétalas (veja aqui), e de facto a subespécie amabilis, adaptada a substratos siliciosos, é exclusiva da serra Nevada. Há ainda a subespécie murcica, que vive em algumas serras calcárias do sul de Espanha. Características comuns às três subespécies são a preferência por solos pedregosos, o porte rasteiro, e as minúsculas folhas triangulares, densamente imbricadas.

Arenaria pungens Clemente ex Lag.


Porque o género Arenaria é rico em espécies e subespécies (contam-se umas cinquenta só na Península Ibérica), pudemos sem dificuldade convocar uma outra arenária, também fotografada na serra Nevada, que mostra grande contraste com a primeira. A Arenaria pungens, ou arenária-picante, é um arbusto de uns 30 cm de altura que forma moitas arredondadas, defendidas dos ataques dos herbívoros pelas folhas rígidas e pontiagudas. Restrita a zonas de montanha a altitudes superiores a 1600 metros, não é exclusiva da serra Nevada: ocorre também na vizinha serra de Baza e na cordilheira do Atlas, em Marrocos.

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