Salvas e candeias
A quem se embeleza, com uma maquilhagem colorida, um perfume agradável e roupa que acentua a elegância, decerto agrada captar a atenção dos outros. Cores, aromas e trajos criam uma curiosa linguagem que singulariza quem a usa, como as pronúncias regionais do português. Sucede algo semelhante com as plantas que dependem de polinizadores. Na família das plantas aromáticas como a menta, o alecrim, o tomilho, a erva-cidreira e a lavanda, a estratégia para não passarem despercebidas é ainda mais engenhosa, incluindo hastes florais altas, em cada uma das quais as flores de tons vistosos se agrupam em patamares para reforçar o seu impacto visual.
Phlomis crinita subsp. malacitana (Pau) Cabezudo, J. M. Nieto & T. Navarro
Mas esta arquitectura das inflorescências tem riscos. Nestas herbáceas, a haste é um ramo tenro que tem de servir de suporte a folhas e flores, de preferência grandes e requintadas. Não adianta, contudo, tanto investimento na cosmética e indumentária se a haste não é suficientemente resistente ao vento e à gravidade. E é nos verticilos de flores que os polinizadores têm de aterrar, por isso estes andares têm de ser bastante estáveis, sem perigo de o pedúnculo de repente se encurvar, torcer ou vergar em demasia, até quebrar.
Pelo modo como a água dos rios circunda suavemente as colunas cilíndricas de suporte a pontes, suspeitamos que um modo eficiente de uma coluna enfrentar o vento forte é ter a forma simétrica de um cilindro, ou, digamos, de um cone um pouco mais largo na base. É garantido que este formato torna os caules mais rígidos e robustos, pois é sem dúvida o mais frequente para talos, ramos e troncos de árvores. Mas deve haver algum benefício em utilizar outras geometrias porque, por exemplo, hastes florais cuja forma é aproximadamente a de um prisma de secção quadrada (e vértices arredondados, para não ser demasiado frágil nos cantos) são comuns na família Lamiaceae. É o caso das plantas das fotos acima, fotografadas em Julho de 2023 num afloramento calcário da serra Nevada, a cerca de 2000 metros de altitude. Mal se nota, porém: talvez para mitigar a perda de água nos verões do sul de Espanha, se protegerem do sol intenso ou aproveitarem a humidade da noite, estas orelhas-de-burro são tão penugentas que os caules parecem cilíndricos. O mesmo engano acontece com a Salvia phlomoides, que também prefere solo calcário, se possível pedregoso e exposto ao sol, mas é mais rara; este exemplar é da serra de Huétor, em Granada, a uns 1300 metros de altitude.
Salvia phlomoides subsp. boissieri (De Noé) Rosúa & Blanca
Que vantagem evolutiva tem esta diferença de configuração dos talos? Estudos matemáticos recentes quantificaram alguma dessa vantagem em modelos simples de talos ocos, os mais leves e económicos para as plantas e que em geral crescem mais depressa. Os autores mostraram que, para certas dimensões dos caules (diâmetros interno e externo, e altura), a secção quadrada, quando comparada com a secção circular englobando a mesma área, realmente assegura à haste maior resistência a deformações mecânicas. Por vezes, é embaraçoso reconhecer que a natureza resolveu habilmente um problema cuja solução só muito tempo depois a ciência consegue explicar cabalmente. Por isso, não nos surpreenderá que se venha a concluir, após aturada pesquisa, que a melhor haste é afinal uma versão híbrida das anteriores, isto é, oca com um bordo exterior de secção quadrada e um bordo interior de secção circular.
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