29/11/2004

Ditoso...

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Ditoso o que em paternas, poucas jeiras
seus desejos encerra e seus cuidados,
e respira, contente, o ar nativo
em terra sua!

Seus gados lhe dão leite; pão seus campos;
seus rebanhos vestido; pelo Estio,
acha nas próprias árvores a sombra;
de Inverno, o lume.

Correm-lhe em um desleixo abençoado
suavemente as horas, dias e anos:
com saúde no corpo, paz no espírito
vela tranquilo.

A sono solto dorme; o estudo e cómodo
possui unidos - lícito recreio -
e com a meditação mais saborosa
goza o retiro.

Deixem-me assim viver, desconhecido;
deixem-me assim morrer, sem ser chorado,
do mundo homiziado e sem que a campa
diga onde jazo.

José Anastácio da Cunha in Composições Poéticas (1836)

2 comentários :

António Viriato disse...

Este desditoso José Anastácio da Cunha é mais um dos esquecidos e injustiçados portugueses, que deveriam receber a atenção, o estudo e o apreço dos seus compatriotas. Infelizmente, nos tempos que correm, pouco ou nenhum espaço merecem este e tantos outros valores da nossa muito ignorada cultura nacional. Dir-se-ia que outros valores, seguramente menos altos, se alevantam...

Mais uma louvável iniciativa do Dias com Árvores. Bem haja a autora.

Paulo Araújo disse...

Anastácio da Cunha não foi um simples professor de Matemática: foi um dos quatro ou cinco maiores matemáticos portugueses de sempre (os outros
indiscutíveis são Pedro Nunes, Gomes Teixeira e, já no século XX, Sebastião e Silva) e foi um dos pioneiros europeus da sistematização rigorosa do cálculo infinitesimal. Como há tão poucos matemáticos portugueses merecedores de atenção, há muitas dissertações em História da Matemática (e não só em Portugal) que estudam a obra do Anastácio da Cunha. Depois da queda de Pombal, foi demitido da Universidade de Coimbra e chegou a estar preso.