Irreversível
Fotos: pva - Magnolia denudata na rua de Aníbal Cunha (Porto) em Fevereiro e Maio de 2005
Deram brado na imprensa, em 2004, as obras de adaptação, na rua do Rosário (Porto), de um antigo edifício à função hoteleira. O cartaz exposto no local informava que o edifício recuperado se destinaria a habitação e comércio - mas, para espanto dos vizinhos, começou a surgir no jardim das traseiras, de onde entretanto desapareceram muitas das antigas japoneiras, um volumoso acrescento ao edifício original. Soube-se depois que um aditamento ao projecto tinha dado entrada nos serviços camarários, solicitando a alteração do uso e o aumento em 50% da área de construção; e que, sem esperar pela autorização, as obras tinham avançado conforme o aditamento. O cidadão comum, acreditando tratar-se de uma obra ilegal, julgaria que a Câmara pusesse cobro ao abuso - mas nada disso sucedeu. A Câmara afinal só se tinha atrasado a despachar a autorização, mas gostava do projecto, por o considerar estratégico. Na boca de um edil, esta palavra estratégico soa como declaração de amor. E talvez não seja termo tão desajustado: podendo os visitantes das galerias da rua de Miguel Bombarda hospedar-se, em dia de inaugurações, num hotel da vizinhança, quem sabe se não deixarão de usar os passeios para estacionamento.
Mas, tirando o facto de nos desgostar o abate das japoneiras, que temos nós a ver com isto? É que, dispondo de janelas com vista para o interior arborizado de um amplo quarteirão, sabemos bem como, em vastas zonas da cidade (e particularmente em Cedofeita), a maior parte das árvores que purificam o ar que respiramos se esconde atrás das fachadas, nos pátios dos edifícios. É natural que, mesmo alegando-se considerações estratégicas, nos preocupe o desaparecimento gradual dessa vegetação e a substituição de solo vivo por revestimentos impermeáveis. O próprio executivo camarário, na sua proposta de PDM agora em fase final de aprovação, restringe a construção nos logradouros, impondo um limite de 70% à impermeabilização de cada lote. Essa será a regra, mas depois haverá as excepções - que, se o exemplo do hotel na rua do Rosário fizer escola, bem poderão passar a ser regra.
Perto da rua do Rosário, no n.º 98 da rua de Aníbal Cunha, desenvolve-se trama em tudo semelhante. As diferenças entre as duas fotos em cima, ambas deste ano, tiradas a 15 de Fevereiro e a 15 de Maio, não se resumem à cor branca ou verde da magnólia residente no n.º 94: as árvores junto ao muro que divide os dois pátios foram quase todas eliminadas (apenas sobrou uma japoneira, muito diminuída) e, no lugar da garagem térrea que ainda deixava algum terreno livre, cresce agora um avantajado edifício de vários andares. O edifício parece pertencer ao Estado - na antiga casa terá funcionado um Centro de Saúde - e é provável que desta vez a Câmara esteja inocente, pois as obras da Administração Central dispensam autorização camarária e não têm que respeitar PDM's.
Seja a culpa de quem for, o resultado é que ali não volta a crescer uma árvore.
1 comentário :
Não tenho a certeza se as obras da Administração Central não têm que respeitar o PDM pelo simples facto de não precisarem de licença da Câmara. A dispensa de licença não é equivalente a uma dispensa de cumprimento das regras. O ponto aqui é saber se as regras para a Adm. Central são diferentes das dos particulares.
Enviar um comentário