23/08/2011

A cavalo branco não se olha a cor




Centaurium scilloides (L. fil.) Samp.

Escolhemos visitar a ilha das Flores no início do Verão para podermos ver a versão albina do Centaurium scilloides — uma forma que, sendo rara no continente, é a única que ocorre em todas as ilhas dos Açores. Também aqui esta planta perene prefere habitats húmidos, ravinas e rochas, não é exigente com a qualidade do substrato e é resistente ao sal e à maresia. Apreciando invernos e verões amenos, é mais frequente nas zonas costeiras e na floresta laurissilva entre os 400 e os 700 metros de altitude. As flores, em geral solitárias, medem cerca de 2 cm de diâmetro. Apesar de o período de floração ser longo e de este centauro constar da lista vermelha em França e Inglaterra, crê-se que só não está em regressão no norte de Espanha e nos Açores.

A cor das corolas e as folhas um pouco mais estreitas são as únicas diferenças detectadas entre os espécimes continentais e os insulares. Por isso, a proposta de considerar a variante branca como uma subespécie (C. scilloides subsp. massonii (Sweet) Palhinha) não vingou. E, naturalmente, houve quem questionasse o seu parentesco com as plantas do continente. Esta espécie é endémica da costa atlântica do oeste europeu, entre Portugal (onde se restringe ao norte) e as ilhas britânicas, e só nos Açores não dá flores cor-de-rosa. Ora a componente genética responsável pela cor branca (ou melhor, pela ausência do rosa) é, como em outros géneros, recessiva. E portanto, admitindo que a planta açoriana, cuja presença nas ilhas se crê ser anterior à ocupação humana, tem um antepassado europeu, como chegou ela às ilhas e por que é a versão recessiva, à partida com baixa probabilidade de dominar, a única que ali sobrevive?

Como em muitos capítulos da História, há boas conjecturas mas não ainda uma resposta conclusiva. Fizeram-se aturadas experiências, claro. Revelaram que uma só destas plantas pode produzir num ano mais de 11 mil sementes, um terço das quais mantém a viabilidade e a capacidade de flutuar no mar durante pelo menos quinze dias. Uma vez aportada a uma das ilhas (fosse trazida pelas marés ou por aves marinhas), o vento, o mar e os pássaros certamente ajudaram na colonização das outras, o que justificaria que todas as plantas açorianas sejam de flor branca. E há registos de plantas albinas na Galiza e outras com flores de um rosa esbatido na Cantábria e na Normandia. Mas estes estudos não chegam para decidir se a planta açoriana teve origem no continente — embora sugira que o sentido inverso é menos plausível — nem se a viagem, a ter existido, foi directa. E não explicam por que razão (evolutiva, por adaptação a novos polinizadores, ou outra) só há a versão albina nas ilhas; nem por que não consta da flora da ilha da Madeira.

A abreviatura (L. fil.) Samp. no nome desta espécie indica que foi primeiro descrita (em 1782, como Gentiana scilloides) por Carl von Linnaeus (1741-1783), botânico sueco com o mesmo nome do pai, que participou numa expedição botânica à Europa ocidental entre 1781 e 1783; e que essa designação foi corrigida mais tarde (1913) por Gonçalo Sampaio.

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