21/06/2013

Amarela de Bemposta

Ononis natrix L.


É verdade que as palavras explicam, mas também ajudam a confundir aquilo que os olhos não confundiriam. Descrições de coisas diferentes usam quase as mesmas palavras, ou distinguem-nas usando outras que não entendemos; na falta de uma ilustração, dificilmente ficamos aptos a reconhecê-las. Como explicar a diferença entre um burro e um cavalo a quem nunca viu nenhum deles? Pela razão entre o diâmetro da testa e o comprimento das orelhas? É bom que depois no campo os bichos se deixem estar quietos para as necessárias medições, e que não apareça nenhuma mula para nos baralhar a sapiência livresca. Os biólogos gostam, para sua recreação, de elaborar chaves dicotómicas que levariam sem hesitações à identificação segura das espécies analisadas. Essa redução do contínuo da realidade a uns quantos caracteres claramente distinguíveis tem quase tanto de idealização como aqueles exercícios de física elementar em que todos os corpos são esferas perfeitas formadas por material homogéneo. E, além das variações com que a natureza recusa conformar-se às leis humanas, até os profissionais se podem enganar quando decifram tais chaves, lendo numa certa descrição aquilo que o autor não quis lá pôr.

Quem consultar a Nova Flora de Portugal (vol. 1, 1971), de João do Amaral Franco, fica a saber que no nosso país a Ononis natrix estaria representada pelas subespécies ramosissima e hispanica. Há porém, de tempos a tempos, oscilações de opinião que fazem com que uma subespécie seja autonomizada como espécie ou, inversamente, uma espécie seja despromovida a subespécie ou variedade. E nem todos os especialistas se sentem obrigados a acatar as mudanças, de modo que os leigos ficam com todo um cardápio de nomes para usar a seu gosto. No que toca à planta de hoje, a Flora Ibérica reconhece as duas espécies Ononis natrix e Ononis ramosissima, não considerando quaisquer subespécies. Estranhamente, a O. natrix subsp. hispanica de Franco corresponde à O. ramosissima da Flora Ibérica, e a O. natrix subsp. ramosissima à O. natrix. Parece seguro concluir que as descrições originais dessas espécies (devidas a Lineu e a Desfontaines, e ambas da segunda metade do século XVIII) não foram lidas do mesmo modo por Franco e por Juan Antonio Devesa, autor da revisão do género Ononis na Flora Ibérica.

Pondo de parte as tricas nomenclaturais, a jóina-dos-matos (Ononis natrix) tem um aspecto bem diferente da sua prima jóina-das-areias (Ononis ramosissima): é mais avantajada, tem os cachos de flores mais erectos, as corolas são maiores, com o verso do estandarte marcado por traços vermelhos mais carregados, e as folhas têm folíolos mais compridos e estreitos. Divergência há também nas opções ecológicas, com a Ononis ramosissima, em obediência ao seu nome vernáculo, a preferir as areias litorais, e a O. natrix a penetrar no interior do país pelos vales do Douro e do Tejo. Some-se a isto que a O. ramosissima forma em geral populações abundantes, muito olorosas, cobrindo grandes extensões de areal, e que da O. natrix só encontrámos, até hoje, uns poucos indivíduos dispersos, incapazes de perfumar o ar à sua volta.

3 comentários :

bea disse...

A última figura lembra-me aquele desenho anatómico do sistema nervoso :)
BFS

Carlos M. Silva disse...

Olá

Terei fotografado duas, deste género, acho!! (e só isso, acho!), mas mais que o género, o que acho curioso (na minha ignorância) é o que poderia chamar de plano anatómico da flor já que suponho que cada planta de flor terá investido o que tinha e o que não tinha (ou talvez não,já que será mais prudente que outros seres vivos), tal como os planos anatómicos dos seres vivos (e apenas pelo que li) logo depois da extinção Pérmica, como se existissem planos que a natureza favoreceu; mesmo não sendo a maior família, julgo ser enorme ..e entre Vicias, Lathyrus, estas e muitas mais que nem conheço ..; e já agora, e há estudos das razões (para além dos insectos que as polinizem e a geometria necessária) como alguns planos florais ..sobreviveram e evoluíram?

Cumprimentos
Carlos M. Silva

Paulo Araújo disse...

Olá Carlos.

Isso é uma boa pergunta a que só um botânico poderá responder. De qualquer modo, a flor típica das leguminosas (ou da subfamília Papilionoideae, que é quase a única representada na nossa flora autóctone) é um caso de óbvio sucesso evolutivo, uma vez que são tantas e tão diversificadas as plantas que a exibem. Deve haver muitos insectos que lhe tomaram o gosto.

Abraço,
Paulo