Serpentina rosa
Este ano, não é só a sul que o Verão vai quente, à medida do desejado bronze da pele. Até as praias fluviais estão inusitadamente cheias com a algazarra dos banhistas em férias. Mantém-se, contudo, o modo peculiar de mergulhar na água gelada dos nossos rios a norte, aquela em que se dá basto uso aos gerúndios. Vai-se entrando devagarinho na água, esfregando vigorosamente os braços e saltitando para aquecer; vencido o frio à altura dos joelhos, arrisca-se um mergulho rápido e, arfando ou praguejando, dão-se corridinhas retemperadoras de volta à areia. Em meia hora de andanças anfíbias e muito riso, a conquista do riacho consuma-se.
É então que, por entre braçadas prazerosas, se pode reparar no remanso das margens e apreciar as plantas que ali parecem indiferentes a estas gradações de temperatura. No meio delas, destacam-se muitas espigas de flores cor-de-rosa com estames proeminentes, em hastes apoiadas em folhas longas que flutuam: são exemplares de Polygonum amphibium, uma herbácea perene de lagos e solo temporariamente inundado, a que os ingleses chamam amphibious bistort. Os pés em terra podem atingir os 40 cm de altura e têm folhas macias, arredondadas na base e quase sésseis; os que estão na água têm folhas mais estreitas, glabras e com longos pecíolos.
Há cerca de um mês, uma outra espécie de Polygonum, o common bistort, também perene mas mais alta, e menos ansiosa por mergulhar na água, estava em flor num lameiro de Montalegre a cerca de 930 metros de altitude. Ouvimos falar desse lugar aqui e, este ano, tivemos o privilégio de o visitar com o João Lourenço. As folhas desta planta têm o formato lanceolado que é usual no género Polygonum, com ápice acuminado, nervura central vincada e um ligeiro enrugamento nas faces. Mas as desta espécie são quase triangulares e exibem um estreitamento repentino na base, como se tivesse acabado o material com que se faz o limbo da folha. Exceptuando as caulinares em posição mais elevada, as folhas são grandes, de página superior verde-escuro e inferior esbranquiçada; as basais têm pecíolo, que é longo e alado. Detecta-se facilmente por causa dos cachos densos de flores, em tom de rosa suave, quase branco. O epíteto bistorta alude ao rizoma torcido da planta (que não vimos, precisaríamos de desenterrar um exemplar).
Algumas referências inglesas a esta planta usam a designação que Sampaio lhe atribuiu em 1913, Persicaria bistorta. O que indica que talvez o seu círculo familiar, taxonomicamente falando, não esteja ainda consolidado. Os botânicos, entretanto, distinguem várias subespéces de P. bistorta, sendo a ibérica a subespécie típica, a bistorta. Nativa da Europa e parte da Ásia, comum na Europa central e frequente no norte de Espanha, o P. bistorta tem uma distribuição muito restrita em Portugal: em todo o país só se conhece a população que visitámos, embora não faltem em Montalegre muitos outros prados húmidos que parecem reproduzir o habitat que lhe é imprescindível. Estranha-se por isso que não se dissemine ou não haja registos dela noutros pontos do nosso território.
2 comentários :
Na minha terra não existem senão ribeiras breves. E talvez por isso o meu amor pelos rios é visual. Mas as plantas da borda de água são sempre lindas. Mesmo se não são flores.
Entre os Polygonum, apenas tive portunidade de contactar com o Polygonum persicaria. É extremamente belo o Polygonum amphibium, especialmente nos exemplares com folhas flutuantes.
Cumprimentos.
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