Candeias na serra
Serra de Arga com o estuário do Minho em fundo
Por se situar perto da costa, a serra de Arga tem um clima atlântico temperado e abriga vários nichos de flora notável. Contudo, o povoamento desta região minhota ditou a destruição de quase toda a floresta autóctone (onde por certo se incluíam carvalhos, bidoeiros, salgueiros, amieiros, freixos), mesmo a das galerias ripícolas, levando a preocupantes perdas de solo por erosão e escorrência. Mais recentemente, grande parte da paisagem uniformizou-se com resinosas, eucaliptos e acácias invasoras. Só junto a algumas aldeias — onde resistem pequenos bosques de antigos carvalhos cobertos de musgos e de cabrinhas (Davallia canariensis) — ou perto do topo da serra é que esta impressão desoladora é parcialmente redimida. A cerca de 820 metros de altitude não há vegetação arbórea. Cruzamo-nos com pastores e gado, e gastamos tardes a explorar extensas turfeiras e charnecas húmidas que, no Verão, se enchem de Pinguicula lusitanica, Drosera rotundifolia, D. intermedia, Gentiana pneumonanthe (e uma espécie rara de borboleta que depende desta planta para sobreviver), Serratula tinctoria, Erica ciliaris e Erica tetralix. Um pouco mais abaixo há córregos e ribeirinhos em cujas margens abundam anémonas (Anemone trifolia) e narcisos (Narcissus pseudonarcissus). Acrescente-se a este cenário bucólico vastos cervunais (onde é essencial manter o pastoreio), taludes de matos húmidos com preciosidades cuja conservação é prioritária (como Lycopodiella inundata) e zonas secas, expostas ao sol, com substratos siliciosos e a (noutras paragens) rara Succisa pinnatifida.
Armeria humilis (Link) Schult. subsp. odorata (Samp.) P. Silva
A Península Ibérica foi bafejada com muitas espécies endémicas de Armeria, algumas difíceis de destrinçar, uma tarefa que se complica a cada novo híbrido natural que se descobre. Se a chave dicotómica nas Floras nem sempre se ajusta às medidas da planta que observamos, pelo menos as descrições são minuciosas e por elas aprendemos inúmeros vocábulos novos (folhas dimorfas, múticas e rigídulas; brácteas imbrincadas e cuspidadas, as externas menores ou subiguais ao dobro das internas; praganas no cálice; escapos decumbente-incurvados...). As armérias são plantas vivazes, algumas lenhosas, em geral com uma roseta basal de folhas filiformes ou lanceoladas de onde saem um ou vários talos encimados por inflorescências arredondadas, formadas por flores de pétalas soldadas na base e protegidas por dois invólucros de brácteas que parecem feitas de papel pardo.
A Armeria humilis é um endemismo do noroeste da Península com porte rasteiro e gosto por fendas de rochas graníticas, solos arenosos e pastagens de montanha acima dos 800 metros. As duas subspécies registadas (A. humilis subsp. humilis, que ocorre nas serras do Gerês e Amarela e de que só conhecemos espécimes com flores brancas; e a A. humilis subsp. odorata, com populações nas serras de Arga, Laboreiro, Amarela e Cabreira, de pétalas pálido-rosadas ou lilases) diferem no tamanho e número de nervuras das folhas, na morfologia das brácteas involucrais e das aristas dos cálices, e até nos meses de floração, florindo a segunda mais cedo. Os dicionários informam que cada planta do género Armeria é conhecida em vernáculo português como raiz-divina ou maçacuca, uma palavra feita de maçã e cuco. Os espanhóis optaram por um singelo candeia.
4 comentários :
Nunca estive na Serra de Arga e fico com pena de saber que se encontra tão alterada. Enfim, como tantos outros locais que poderiam ter mais interesse biológico do que aquele que (ainda) têm.
Contudo, há sempre boas notícias e alguns redutos a preservar...Espero que esses locais não se percam :-)
Que maravilha!!
Se puder, um dia visitarei a serra de Arga!
Obrigado pelas belas imagens e toda a sabedoria botânica!
Bom ano 2014!
A força com que a natureza irrompe e floresce dá que pensar.
Bom Ano de 2014; o que quer que ele seja
Olá
Sim, é uma serra estranha, com um 'cabeço sem pêlos', e que a desflorestação propiciou encostas para invasoras e mesmo terrenos junto a estradas preenchidas por exóticas, de que será difícil senão impossível livrar-se.
Mas simultâneamente tem recantos espantosos e lugar para umas quantas maravilhas botânicas.
Das muitas vezes que lá fui mas na qual nunca fiz grandes percursos, à excepção de um ou dois, certamente há muitas coisas que nunca vi, e esta será uma delas; pelo menos não me lembro destas armérias, mesmo que me sejam impossíveis de distinguir.
Ou seja: há sempre um motivo mais para lá voltar.
Carlos M. Silva
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