06/01/2014

Regresso a Bemposta



Euphorbia serrata L.


As eufórbias espontâneas em Portugal, e que graças ao seu látex irritante são popularmente conhecidas como leiteiras ou maleiteiras, não se destacam, na sua maioria, pelas inflorescências vistosas. Muitas delas são pequenas ervas que surgem com alguma assiduidade, e por iniciativa própria, em jardins desmazelados e em campos de cultivos. Algumas, porém, como a Euphorbia characias, a E. oxyphylla e a E. stygiana, são decididamente ornamentais, muito embora no nosso país quase ninguém as use em jardinagem. De facto, a única eufórbia ornamental que por cá se encontra à venda em hortos com alguma regularidade é a mexicana E. pulcherrima, a popular poinsétia (ou estrela-de-Natal) que o comércio hortícola teve artes de transformar num dos ícones globais das festas natalícias. O vermelho intenso das suas flores poderia ter sido associado a muitas outras coisas (a vários clubes de futebol, a uma ideologia política), mas só o Natal padronizado pela influência anglo-saxónica ofereceria tamanhas possiblidades comerciais.

Só que, e eis que se desmascara um segredo não muito bem guardado, as flores da poinsétia, como aliás sucede com a generalidade das eufórbias, são estruturas discretas e não especialmente apelativas. O vermelho vivo e natalício da estrela-de-Natal pertence às brácteas que rodeiam as inflorescências. Fenómeno idêntico se passa, aliás, com as também americanas buganvílias, que apresentam flores insignificantes protegidas por brácteas vistosas. E é instrutivo olharmos para uma eufórbia sem vocação comercial ou hortícola, como esta E. serrata, para entendermos o modo como a poinsétia se enfeita. Se, nas duas últimas fotos, o leitor imaginar as brácteas mais compridas e estreitas, vermelhas em vez de verdes, e as peças florais consideravelmente mais pequenas, terá uma ideia razoável da inflorescência da poinsétia. Nas inflorescências das eufórbias a peça fundamental é o ciátio, que é formado por uma única flor feminina composta por um ovário mais ou menos esférico e três estigmas, rodeadada por dez ou mais flores masculinas, cada uma delas reduzida a um único estame; o conjunto é rematado por um colar de 3 a 5 nectários, que na E. serrata são amarelados (ver 5.ª foto), na E. oxyphylla são vermelhos, e na E. characias castanhos. Cada inflorescência compõe-se de muitos ciátios dispostos aproximadamente em umbela, numa arquitectura de ramificações sucessivas.

A leiteira-serrada (um nome que, apesar de apropriado, certamente nunca andou nas bocas do povo) é uma planta perene, rizomatosa, multicaule, glabra e algo glauca que não ultrapassa os 60 cm de altura e se deixa facilmente identificar pelo serrilhado das folhas. Com ampla distribuição na metade oeste da bacia mediterrânica, tem apetências nitrófilas e ruderais e prefere substratos básicos. No nosso país, contudo, ela parece estar ausente dos maciços calcários do centro-oeste, e de facto só a encontrámos no Douro internacional, perto da barragem de Bemposta.

1 comentário :

bea disse...

Bem me parecia já ter encontrado as eufórbias em qualquer lado...
São bonitas as brácteas, mesmo que não sejam flores. Aprendi obre as estrelas de natal e as buganvílias; nem sei como é que as minhas me aguentam a ignorância