Ruiva das ilhas
Rubia agostinhoi Dans. & P. Silva
A ruiva-brava, ou Rubia peregrina de seu nome científico, é uma das plantas da flora portuguesa que se encontra amiúde de norte a sul do país, em lugares onde ainda subsiste alguma vegetação natural. Outra é a gilbardeira (Ruscus aculeatus), misteriosamente protegida por lei apesar da sua óbvia abundância. Que do Minho ao Algarve haja traços constantes é uma evidência da pequenez do nosso território e só pode reforçar a ideia da unidade nacional. Voltando à ruiva-brava, que é esse o nosso assunto, trata-se de uma trepadeira algo lenhosa na base, muito ramificada, reconhecível pelos seus verticilos de quatro a oito folhas por nó e pelos cachos de bagas pretas. Ainda que a ruiva-brava não tenha usos tradicionais, uma das suas congéneres, a asiática Rubia tinctoria, a que poderíamos chamar ruiva-mansa, foi amplamente cultivada na Europa pelo corante vermelho extraído das raízes.
Se do continente saltarmos para os arquipélagos atlânticos da Madeira e dos Açores, continuamos a ver a ruiva, embora, olhando bem (fotos acima), a planta tenha feito alguns ajustes na sua indumentária: os saiotes dos nós são agora formados por folhas mais estreitas e numerosas (em geral 8, mas podem ir de 6 a 10), e as flores são mais diminutas e escassas, em cachos mais discretos. Esta ruiva-das-ilhas, que porém também existe no sul de Espanha (Cádiz e Málaga) e em Marrocos, é assaz distintiva para merecer dos taxonomistas a graça de um nome só seu. Justiça feita em 1973, quando o português Pinto da Silva e o francês P. M. Dansereau publicaram na Agronomia Lusitana a descrição da nova espécie, a que chamaram Rubia agostinhoi. Não sendo talvez tão comum nos Açores como a sua congénere é no continente, a ruiva-das-ilhas encontra-se com alguma facilidade, ocupando habitats variados desde florestas e matos naturais até muros e plantações de criptomérias. Contudo, nunca lhe vimos os frutos, ou porque eles são poucos, ou porque os pássaros os comem todos, ou porque o nosso calendário de visitas ao arquipélago não o permitiu.
Pinto da Silva e Dansereau descreveram a Rubia agostinhoi a partir de exemplares colhidos em São Miguel, na lagoa das Sete Cidades, e o epíteto escolhido sublinha a ligação aos Açores, prestando homenagem ao tenente-coronel José Agostinho (1888–1978). Nascido em Angra do Heroísmo, onde também morreu, José Agostinho combateu na 1.ª guerra mundial como militar de carreira, mas regressou aos Açores (a São Miguel) em 1918 para trabalhar nos serviços metereológicos locais, que dirigiu durante mais de 30 anos, até se aposentar em 1958. Distinguiu-se como cientista na sua área de especialidade, mas também se interessou por múltiplos outros temas, como a sismologia, o estudo das aves, a conservação da natureza, a história e a etnologia. Foi um naturalista versátil e, em vocação exercida ao longo de vinte anos de palestras radiofónicas na Rádio Clube de Angra, um pedagogo que muito teria honrado a universidade açoriana se ela tivesse existido à época em que esteve activo.
1 comentário :
Espero que os impactos dos mega concertos de David Guetta e quejandos durante todo este fim de semana nas margens das Sete Cidades não belisquem a esta e outras espécies.
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