15/07/2014

Ponta das labaças


Rumex azoricus Rech. f.


Popularmente conhecidas como azedas, vinagreiras ou labaças, as plantas do género Rumex compensam o seu défice de formosura com uma abnegada dedicação ao bem-estar humano. Assim, as folhas comestíveis acrescentam um travo ácido às saladas, e podem ser usadas como purgativo; se aplicadas externamente, são úteis contra queimaduras e picadas de urtiga; e, à falta de melhor, servem até para embrulhar manteiga. Já quanto à formosura, é mais avisado não sermos tão taxativos ao atribuir-lhes nota negativa. O que estas plantas não possuem é flores chamativas, pois o vento, único polinizador de cujas boas graças dependem, não precisa de engodos ou cantos de sereia para se apresentar ao serviço. Contudo, o R. bucephalophorus, uma espécie de pequeno porte, prova que a união também faz a beleza ao formar, nos areais, vistosos aglomerados com as cores da bandeira nacional. E do mesmo princípio da beleza das multidões se servem espécies de maior envergadura para construir inflorescências vistosas, agrupando milhares de flores que, individualmente, são insignificantes. É o caso deste gigantesco R. azoricus, cujas inflorescências parecem nuvens douradas.

Talvez seja bom quantificar o adjectivo gigantesco quando aplicado a esta labaça-das-ilhas, sabendo-se que labaça, de um modo geral, é nome reservado aos Rumex de tamanho respeitável dotados de uma haste principal bem definida (contrastando, por exemplo, com o R. induratus, vulgarmente conhecido como azedão, que forma uma moita muito confusa). O R. azoricus ultrapassa facilmente os 1,5 m de altura, no que se compara a algumas espécies continentais, mas singulariza-se pelas folhas que podem medir um metro de comprimento, com pecíolos longos e grossos, e pela espaventosa inflorescência, pontuada por longas brácteas que, distribuídas de modo tão irregular (ver foto 2), parecem facas lançadas de longe por artista pouco habilidoso.

A labaça-das-ilhas não é a labaça que mais facilmente se encontra nos Açores: muito mais comuns do que o R. azoricus em campos e bermas de estradas são espécies ruderais como o R. obtusifolius e o R. crispus. E é a essas mesmas labaças sem eira nem beira que o leitor açoriano deverá deitar a mão se quiser experimentar-lhes os usos culinários ou medicinais. Não porque a labaça-das-ilhas seja desprovida de tais qualidades (talvez seja, não sabemos), mas porque é planta rara, um dos endemismos do arquipélago que mais carecem de protecção. Tem uma distribuição de todo peculiar: ocorre em São Miguel, mas não em Santa Maria; existe em São Jorge, Terceira e Faial, mas não nas restantes ilhas do grupo central; e, tendo-se instalado no Corvo, recusou a vizinha (e bem mais ampla) ilha das Flores. Não há nada nas suas preferências de habitat (caldeiras, margens de cursos de água, prados naturais) que explique tais caprichos, pois o Pico e as Flores, duas das ilhas onde ela não quis morar, albergam das mais bem conservadas áreas naturais dos Açores.


São Jorge: farol da Ponta dos Rosais
A acreditar no testemunho de terceiros e nas nossas próprias observações, é provável que as melhores populações da labaça-das-ilhas se encontrem em São Jorge. Lá, ela dá provas de uma versatilidade ecológica que lhe falta nas outras ilhas: aparece junto ao leito de ribeiras sazonais nas vertentes debruçadas sobre as fajãs; sobe aos cumes da ilha para ver passar o nevoeiro; e, desejando talvez completar a sempre malograda travessia para o Pico, ou simplesmente observar baleias, desce até ao extremo ocidental da ilha, à Ponta dos Rosais, de onde a ilha em frente é tão sedutoramente visível.

1 comentário :

bea disse...

Hummm...conheci as labaças bandeira nacional e garanto que me deram trabalho a arrancar:) são muito prolíficas.

É linda a foto da ponta dos rosais, quase idílica. Obrigada, descansa-nos olhá-la. E, no entanto, dentro da beleza mora a mesma miséria humana de qualquer lugar, os mesmos sonhos, idêntico esforço de trabalho.

Bom Dia.