20/09/2014

Ginja perdida no mato


Prunus lusitanica L. subsp. azorica (Mouill.) Franco



Lembra-se do azereiro? Esse mesmo: uma árvore de folha perene, floração vistosa e perfumada, que, apesar de nativa em Portugal, é rara nos nossos jardins, e que Lineu descreveu em 1753 a partir de exemplares portugueses. As populações de azereiro concentram-se em bosques sombrios e húmidos, margens de cursos de água, carvalhais e loureirais. Vimo-lo nas serras do Gerês, Estrela, Açor e Marão, e Amaral Franco refere-o também em Alvéolos, Buçaco, Pampilhosa e Sintra. Nos Açores, onde lhe chamam ginjeira-do-mato, esta árvore procurou, e encontrou facilmente, o mesmo tipo de habitat em ravinas, crateras de rocha vulcânica e nas margens de ribeiros, fazendo também parte da floresta laurissilva mais bem preservada, a altitudes que rondam os 600 metros. Já terá sido numerosa, mas a desflorestação para aumentar a área de pastoreio ou de uso agrícola, e a invasão de espécies exóticas, colocaram-na quase à beira da extinção: restam nove populações escassas, e apenas em seis das ilhas açorianas. Junte-se a estas ameaças o facto de apenas duas espécies de aves endémicas, o pombo torcaz dos Açores (Columba palumbus azorica) e o melro-preto (Turdus merula azorensis), serem capazes de comer as ginjas inteiras e ajudar à sua dispersão, e entende-se por que está a ginjeira-do-mato no topo de uma lista de cem plantas nativas a exigir há muito medidas de conservação eficientes.

A ilha de São Miguel conta com o maior contingente desta planta, que aliás se crê ser imprescindível para a sobrevivência do priôlo (Pyrrhula murina), um passarinho que é endémico desta ilha. No Faial só conseguimos vê-la no Jardim Botânico, havendo contudo registos de uns poucos indivíduos na parte ocidental da ilha. No Pico encontrámos algumas ginjeiras isoladas, nitidamente ameaçadas pelo incenso. E nas Flores a população da espécie reduz-se a um único indivíduo. Mas, afinal, por que é tão importante esta contagem? Porque o azereiro dos Açores não é o mesmo que ocorre no continente.

De facto, em 1964, Amaral Franco compilou as diferenças morfológicas mais notórias, propondo então que o azereiro açoriano se designasse Prunus lusitanica subsp. azorica, reservando o nome P. lusitanica subsp. lusitanica para a versão continental. No essencial, resumem-se a isto: a ginjeira não é tão alta como o azereiro; as folhas dela são elípticas, as dele são lanceoladas; as hastes florais da ginjeira têm muito menos flores, embora as corolas sejam maiores; as bagas açorianas são também um pouco mais gordas e redondas, nascendo com um pé ligeiramente mais longo. Repare aqui nestes detalhes, comparando essas imagens com as fotos que lhe trazemos da ginja-do-mato. Naturalmente, estas peculiaridades de forma e tamanho não bastam hoje aos botânicos para aceitarem distinções taxonómicas. E, recentemente, foi feito um estudo da diferenciação genética entre as plantas açorianas, e entre elas e as versões continental e madeirense (Population genetic structure and conservation of the Azorean tree Prunus azorica, de O. Moreira et al., Plant Syst. Evol., 2013). As conclusões apoiam claramente a distinção da subespécie que Franco propôs, mas não a autonomia numa nova espécie (Prunus azorica) como sugeriram Rivas-Martinez et al. em 2002 (Vascular plant communities of Spain and Portugal: addenda to the syntaxonomical checklist of 2001. Part II. Itinera Geobotanica).


Pico: estrada para a lagoa do Paul

2 comentários :

bea disse...

É uma ginja só apetecível a pássaros, mas a estrada que mostram tem um impossível de beleza.
Muito obrigada

ZG disse...

É sempre bom revisitar o Pico... e o azereiro é smpre uma bela árvore!