Lembrando o não-me-esqueças
Myosotis azorica H. C. Watson
Poucas vezes nos referimos aqui aos miosótis, aquelas plantas mimosas de flores azuis, brancas ou amarelas, e folhas cor de alface que lembram orelhitas de rato. É que há muitas espécies parecidas que ocupam habitats semelhantes, e que mal se distinguem; logo o risco de errar na etiquetagem é elevado, apesar da chave detalhada que os redatores da Flora Ibérica prepararam. Porém, o das fotos de hoje, que é endémico dos Açores, não deixa dúvidas: como é muito raro, havendo registo de populações apenas nas ilhas das Flores e Corvo, dificilmente nos deparamos com o problema de o identificar; além disso, tem um porte e folhagem invulgares, muito diferentes dos demais.
Trata-se de uma herbácea perene de montanha, que ocorre em crateras, taludes próximos de cascatas e rochas húmidas entre os 400 e os 600 metros de altitude. Como podem notar nas fotos, é erecta, com as folhas basais em patamares horizontais, as superiores patentes, e uma inflorescência densa no topo da planta, formando uma umbela de flores azuis escuras (cor de indigo; infelizmente as plantas foram fotografadas num dia quente de Agosto, em fim de floração, por isso não mostram bem este detalhe).
Este não é o único miosótis endémico dos Açores: o Myosotis maritima também só existe nessas ilhas. Floresce mais cedo (em geral, até Junho), é muito ramoso mas tem folhas e flores menores do que o M. azorica, e aprecia as reentrâncias das falésias, as rochas costeiras até 50 metros de altitude e a maresia. Ocorre em todas as ilhas e a designação foi-lhe atribuída por Hochstetter (pai) em 1840. Quatro anos depois, H. C. Watson publicou uma descrição do M. azorica, com uma ilustração, na Curtis's Botanical Magazine (página 4122), notando como é diferente das espécies europeias. Para quem já teve o privilégio de observar os dois miosótis açorianos, eles não se confundem, até porque não têm a mesma ecologia. Estranha-se, portanto, que nas páginas da Plant List, portal da responsabilidade dos Kew Gardens, se afirme que Myosotis maritima é sinónimo de Myosotis azorica. Sugerimos que contactem o Jardim Botânico do Faial, onde há exemplares das duas plantas, venturosamente a florir e a frutificar. E, quem sabe, haverá sementes para partilhar.
Myosotis azorica H. C. Watson (fotografado na ilha das Flores)
4 comentários :
O "não me esqueças" não será esquecido!
Olá Sr.Paulo Araújo. Acha que pode ocorrer um cruzamento genético entre o Myosotis azorica e as outras espécies de Myosotis introduzidas nos Açores?
Bom dia, Sr. Francisco Dias.
Há muito poucos híbridos espontâneos de Myosotis reportados na literatura. Na Europa continental, onde há numerosas espécies nos mesmos habitats, só foram confirmados dois híbridos. A Flora Iberica nem fala deles. A verdade é que há espécies muito parecidas e distinguir híbridos pode ser difícil, mas o mais plausível é que sejam mesmo raros.
As duas espécies açorianas são morfologicamente muito diferentes das espécies continentais e, ao contrário destas, são fáceis de reconhecer de imediato. Sendo o Myosotis azorica tão raro e escasso, acho muito improvável que hibride espontaneamente com outros Myosotis (até porque às grandes diferenças morfológicas deve corresponder uma grande diferenciação genética). No entanto, por precaução, quando houver reintroduções na natureza talvez convenha remover quaisquer Myosotis exóticos nas proximidades.
O Sr. Francisco conhece algum possível caso de hibridação? Se tiver fotos, pode enviá-las para dias.com.arvores[arroba]sapo.pt?
Não conheço nenhum híbrido. Pouco provável, então :) Estava preocupado que os meus Myosotis açorianos pudessem estar a perder erosão genética devido aos exóticos.
Obrigado
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