Nem Coimbra, nem Mondego
Lotus conimbricensis Brot.
Apesar dos incentivos, fiscais ou de outro teor, que alguns garantem existir, nunca como hoje se produziram em Portugal tão poucos bebés. Na expectativa de que a situação se altere, têm surgido novos e gigantescos hospitais pediátricos e centros materno-infantis, autênticos hotéis de cinco estrelas em que qualquer mãe gostaria de se hospedar, e em que qualquer bebé gostaria de vir ao mundo. Também têm, é verdade, encerrado serviços hospitalares e maternidades no interior do país, mas as atenções, cuidados e até luxos como aqueles que a medicina e a construção civil modernas podem proporcionar exigem que os nascimentos se concentrem nas principais cidades do litoral. Já lá vai o tempo em que era possível nascer em Santo Tirso, Vimioso ou Salvaterra de Magos. Agora nasce-se, se é que se quer nascer, em Coimbra, Porto ou Lisboa.
Não é certamente por culpa do Hospital Pediátrico de Coimbra, inaugurado em Fevereiro de 2011, que o grande botânico português Félix Brotero (1744–1828), se vivesse hoje, dificilmente reencontraria este Lotus em Coimbra. A Quinta das Sete Fontes, local onde originalmente Brotero colheu o Lotus conimbricensis, nome com que baptizou o achado no vol. 2 (de 1805) da sua Flora Lusitanica, foi sendo amputada com o crescimento urbano da cidade e, em meados do século passado, ficou reduzida a muito pouco com a construção do Hospital da Universidade de Coimbra. O novo Hospital Pediátrico foi apenas o derradeiro prego no caixão. Da antiga quinta sobram a casa, a capela e pouco mais, mas em Maio de 2000 a então proprietária pediu a classificação do conjunto ao antigo IPPAR. Mais de 14 anos depois, somos informados na página da Direcção-Geral do Património Cultural que a Casa das Sete Fontes (incluindo capela, edifícios anexos e mata) está desde 2007 em "vias de classificação", o que é uma espécie de pena suspensa sem fim à vista. Poderia pensar-se que o atraso na classificação e a indefinição de uma zona de protecção foram uma ajuda para que a construção do Hospital Pediátrico e dos seus acessos não sofresse percalços. A história, porém, é um pouco mais complicada. Os percalços de facto existiram, em parte porque as sete fontes insistiam em deitar água, mas a maior discórida, envolvendo IPPAR, Câmara de Coimbra e proprietários em cerrada disputa judicial, centrou-se na tentativa de demolição de uns velhos anexos agrícolas. Tenham eles permanecido de pé ou não, o certo é que, somando-se ao hospital, um novo prédio de habitação acabou por comer mais uma fatia do arvoredo.
Enfim, uma história como tantas outras do urbanismo nacional, a que o Lotus conimbricensis, que há muito terá abandonado a cidade do Mondego em busca de lugares mais propícios, é de todo indiferente. Esta planta anual de prados húmidos, cuja área de distribuição abrange o sul da Europa e o norte de África, e que em Portugal surge em quase todo o continente mas de modo muito esporádico, singulariza-se pela cor branca das suas flores, quando a maioria das suas congéneres dá flores amarelas. Outra particularidade já assinalada por Brotero é que cada pedúnculo sustenta apenas uma flor. Quanto a medidas, a planta é pouco avantajada: as hastes não têm mais que 20 a 30 cm de altura, e as flores, quase sempre em escasso número, ficam-se pelos 7 mm de diâmetro.
O único exemplar que encontrámos vivia no concelho de Vimioso, lugar onde as flores, ao contrário dos bebés, ainda têm permissão para nascer.
Freixos (Fraxinus angustifolia) em Campo de Víboras, perto do rio Maçãs
2 comentários :
Engraçado, na nossa terra, há umas dezenas de anos, essa plnta também surgia aqui e ali. Não voltei a vê-la. Mas também é certo que a não procurei. Desconhecia que fosse natural da cidade dos estudantes; ou que, pelo menos, a urbe lhe desse nome.
A propósito da Quinta das Sete Fontes, recebemos do Sr. António José de Meneses Moreira da Fonseca um importante depoimento, que passamos a transcrever:
Minha mulher Maria José Soares de Albergaria Moreira da Fonseca é a proprietária da casa da Sete Fontes Anexos e Mata classificadas pelo IGESPAR. Aconteceu que uns anexos (cavalariças e pátio de baixo) e o "fundo da mata", por vicissitudes ocorridas ainda no tempo de sua avó Leopoldina Lima Côrte-Real, foram parar em 1993 às mãos da Imobiliária Patrocínio Tavares.
Esta Imobiliária conseguiu um alvará da CMC a autorizar a demolição desses anexos classificados, com o argumento de que se encontravam em ruína. A Direcção Regional de Cultura do Centro deu o seu aval à demolição. Demolição essa que, logo que foi iniciada, motivou a interposição, por minha mulher, de uma providência cautelar no Tribunal Administrativo de Coimbra que até hoje impediu que esta demolição fosse concluida.
Apesar de a demolição ser absolutamente ilegal, a juiza do o tribunal de 1º instância de Coimbra autorizou a demolição e apenas em recurso para o Tribunal Administrativo do Norte (Relação) este deferiu o pedido, impedindo a demolição. A acção principal continua para a anulação do Alvará de demolição já há anos expirado !!
Logo que a imobiliária comprou o fundo da mata (junto à circular interna) de imediato cortou com motoserra todas a árvores (incluindo dois cedros do líbano).
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