16/06/2015

Valéria & Valério



Valeriana dioica L.


Nas espécies dióicas há indivíduos masculinos, cujas flores têm estames e produzem pólen, e femininos, os que dão sementes. Esta estratégia reprodutiva, que impede a endogamia, serve apenas para a fertilização cruzada. Todavia, é precisamente este o modo de reprodução que favorece a diversidade genética, que promove a combinações de traços mais bem adaptados à competição e sobrevivência da espécie numa dada ecologia, e que melhor distribui o esforço que as plantas têm de despender para se disseminarem. Por exemplo, sendo o custo de produzir sementes elevado para as plantas femininas, em algumas espécies dióicas cabe às masculinas a tarefa de atrair mais polinizadores. Para isso, são mais altas, a floração ocorre mais cedo e com flores mais vistosas e perfumadas (lembrando as artes de sedução de alguns pássaros que Darwin estudou). Contudo, seja por tais flores grandes ensombrarem as componentes verdes e a planta, sem a fotossíntese necessária, enfraquecer, seja porque a folhagem avantajada aguça o apetite dos predadores herbívoros (assim se poupando as plantas femininas), as plantas masculinas têm um ciclo de vida mais curto. Noutras espécies, porém, sobretudo as lenhosas (como as araucárias, os teixos, os salgueiros, os freixos, os choupos, as amoreiras, as ginkgo, os azevinhos ou os juníperos), as flores masculinas são pequenas, ou mesmo inconspícuas, a polinização está muitas vezes a cargo de polinizadores generalistas ou do vento, e são as plantas masculinas que têm de garantir, com boas raízes para a eficiente extracção de azoto do solo, a vitalidade das novas gerações. Nestes casos, cabe às plantas femininas, com flores maiores, a produção de nutrientes suficientes para as sementes.

Estranhamente, apesar desta útil divisão de tarefas na maternidade e das vantagens enunciadas, as espécies com flores hermafroditas e as espécies monóicas (com flores masculinas e femininas distintas mas convivendo na mesma planta) são mais frequentes, representando em conjunto mais de 90% das espécies conhecidas. É que a reprodução de plantas dióicas exige a proximidade dos dois sexos e, se a polinização for feita por insectos, que eles sejam igualmente atraídos por ambos. Uma mudança genética persistente nas plantas masculinas tem de ser compatível com o genótipo, ou com o interesse evolutivo, das femininas, ou não podem mais acasalar. Pelo contrário, a fertilização em espécies sem diferenciação sexual está garantida, uma vez que o pólen e o estigma estão disponíveis na mesma planta; mas, apesar de os clones ajudarem a manter os efectivos de uma população se a polinização cruzada não for bem sucedida, a insistência na auto-fertilização comporta riscos a longo prazo face aos mecanismos selectivos. É também por a balança de benefícios e prejuízos de um ou outro sistema reprodutivo estar demasiado equilibrada que as espécies dióicas investem em diferenças morfológicas ou fisiológicas que permitam diversificar as recompensas aos polinizadores. Por exemplo, em alguns habitats muito chuvosos, as plantas masculinas e as femininas têm flores drasticamente diferentes para que uma das estirpes ofereça ao polinizador vários nichos para depositar as suas larvas-bebés, além de néctar para os alimentar, enquanto a outra, sem néctar, tem uma forma que funciona como abrigo da chuva.

Em geral, e ao contrário do que acontece nos animais, só após a floração podemos com um mero olhar ter a certeza do sexo da planta numa espécie dióica. Mas nem sempre a morfologia das flores masculinas é notoriamente distinta da das masculinas, pois podem ambas ter as estruturas reprodutivas dos dois sexos (embora só uma delas funcione em cada flor, como quando as flores femininas têm, além do estigma, estames estéreis). Por indicação de Paulo Alves, vimos esta Valeriana no Alto Minho, na margem de um riacho junto a um bosque de solo bem irrigado. Havia que procurar plantas masculinas e femininas vizinhas, e seria necessário realçar as diferenças. Comparemo-las pelas fotos. Ambas são plantas frágeis, embora perenes, com hastes florais de cerca de meio metro de altura e inflorescências atraentes. As folhas são opostas, tendo as basais um pé longo. As flores são brancas, algumas levemente rosadas, as masculinas de uns 5 milímetros de diâmetro, as femininas com cerca de metade desse tamanho. Nas masculinas (última foto) notam-se as anteras com o pólen; nas femininas (penúltima foto) nota-se ao centro o estigma. Como é usual em plantas dióicas, a Valeriana dioica também tem um plano B: dissemina-se por multiplicação vegetativa, largando pedaços de rizoma que se espalham eficientemente pelo solo.

4 comentários :

bea disse...

O que as plantas são é cheias de esquemas. Vale-lhes que visam a continuidade da espécie e estão-lhes na massa da seiva:)

ZG disse...

"Valéria & Valério" recordam-me inapelavelmente os excelentes agentes espacio-temporais Valérian and Laureline!...

Paulo disse...

Parece que a ligação ao CIBIO aponta para o meu colega Paulo Célio Alves. Esta é mais correcta :) https://cibio.up.pt/people/details/pmalves

Maria Carvalho disse...

Obrigada pela correcção.