01/08/2015

Ervilhaca-miúda


confluência dos rios Sabor e Maçãs
Desde o fim da Primavera, é junto aos rios e ribeiras nas terras quentes de Trás-os-Montes que a vegetação se aguenta. E, apesar da impressão de secura e aridez que nos aflige quando circulamos pelas estradas, a região tem muitos cursos de água. De caudal magro no Verão, contrastam com o avantajado das pontes, mas ainda assim são refrescantes e têm nas suas margens, ou nos taludes a cotas mais altas, plantas que só ali se dão bem.

O problema é que estes riachos correm por vales cavados, a que só acedemos por descidas acentuadas de alguns quilómetros, sacolejando em caminhos poeirentos onde as covas alternam com pedregulhos. Sem um jipe alto e robusto, ou uma viatura de rali, temos optado por conduzir com um co-piloto-apeado: enquanto um de nós dirige devagarinho o carro pelo piso traiçoeiro, o outro vai à frente para jogar fora do caminho as pedras maiores ou mais aguçadas. Se nos cruzamos com um pastor que empurra ladeira acima uma onda esbranquiçada e peluda (eram ovelhas), fingimos um interesse absorvente pela paisagem até que o grupo desapareça de vista, e só então retomamos a descida cautelosa mas que a outros pode parecer cómica. Na volta, ao fim da tarde, ainda não surgiram pedras novas no caminho, e subimos ambos jovialmente de carro, recompensados pelas novidades botânicas que trazemos lá do fundo.

As novas barragens, porém, têm vindo a resolver eficientemente este nosso problema de percurso. Com a subida das águas, simplesmente afogam os habitats, e já não há nada para procurar nem estradas de terra que valha a pena percorrer. Por exemplo, a nossa lista de lugares formidáveis mas de acesso complicado junto ao rio Sabor era longa e andava sempre com atrasos. Pois bem, o rio engordou recentemente, afogando as margens até mais de quarenta quilómetros a montante da sua foz, e, pronto, o rol de tarefas está quase cumprido. O impacto é, naturalmente, menor a norte da albufeira, em particular no ponto onde ao Sabor se junta o rio Maçãs, em Sampaio, Mogadouro. Foi aí que vimos uma leguminosa pequenina, cuja altura não ultrapassava os 12 cm, e que, soubemos depois, já se designou Vicia minima.


Vicia lathyroides L.
Confirmemos nas fotos alguns detalhes morfológicos. As flores são solitárias, uma ou duas por planta, de estandarte azul-violeta, quilha mais clara e cerca de meio centímetro de largura; surgem entre Abril e Junho (os ingleses chamam-lhe, por isso, Spring vetch). As folhas são alternadas e compostas, de folíolos penugentos com margem inteira, nervura central bem vincada e um ápice que parece o início de uma gavinha que afinal desiste de nascer. A junção da folha ao talo é apoiada por estípulas lanceoladas minúsculas.

Lemos que, embora a flor certamente atraia insectos, a auto-polinização é o esquema reprodutivo que prevalece. A planta, que é anual, produz assim cerca de uma dúzia de sementes comparativamente grandes e com um prazo de validade longo, que guarda dentro de uma vagem glabra e verrugosa. Contudo, não parece possuir um esquema de dispersão eficiente, e é talvez por isso que, em algumas regiões europeias, está no livro vermelho de espécies em perigo. Por cá, parece ter uma distribuição restrita, só havendo registos dela em Trás-os-Montes.

É nativa da Europa, parte da Ásia e Noroeste de África, e dá-se bem em prados (desde que tenham relvado ralo), orlas de matos, solos arenosos húmidos junto à costa, e até em bermas de estrada e muros antigos. O que a ameaça? O seu ciclo, que é curto, o que comporta muitos riscos como já sabemos; as inúmeras alterações do habitat, principalmente no litoral; e, também, a redução das actividades de pastoreio que permitem manter pastos com vegetação rasteira, condição essencial para a Vicia lathyroides sobreviver. Afinal aquelas ovelhas, que balindo pareciam rir do nosso modo receoso de descer a encosta, estavam a trabalhar em benefício dos nossos passeios.

1 comentário :

ZG disse...

Mais uma descoberta fascinante!!