04/08/2015

O charco na pedra


Isolepis setacea (L.) R.Br.



As ciperáceas, como as gramíneas, são feitas para não serem notadas. Mesmo quando cobrem vastas superfícies, a nossa ignorância e desatenção fazem delas uma esbatida imagem de fundo que designamos por nomes imprecisos como "ervas", "juncos" ou "canas". Além de serem pouco chamativas, algumas destas plantas anónimas, em especial os "juncos" (verdadeiros ou falsos), ocupam habitats aquáticos ou paludosos nos quais só com dificuldade conseguimos mover-nos. A planta de hoje até vegeta em lugares acessíveis, mas, pelo seu tamanho diminuto, faz da discrição um ponto de honra. As espiguetas florais, solitárias ou aglomeradas em grupos de duas ou três, têm uns 5 mm de comprimento, e surgem em hastes finas, não ramificadas, de 5 a 20 cm de altura; as folhas, que parecem ausentes, estão reduzidas a bainhas na base dos caules. De entre as três espécies do género que ocorrem nos Açores (todas de ampla distribuição europeia ou até mundial), a Isolepis setacea singulariza-se por as espiguetas parecerem emergir da parte lateral da haste em vez de saírem da extremidade. Contudo, aquilo que parece ser o prolongamento da haste é na verdade uma bráctea, que nesta espécie é muito comprida (pode chegar aos 3 cm) e, quando a planta já está bem desenvolvida (não é esse o caso dos exemplares fotografados), ultrapassa claramente as espiguetas.

As Flores, que são uma esponja em forma de ilha, proporcionam inúmeros recantos favoráveis à instalação da Isolepis setacea. Além do mais, o tamanho exíguo da planta permite-lhe vegetar onde quer que a água se acumule, nem que seja uma poça numa cavidade da rocha. Foi numa pia escavada na pedra, visível na 1.ª foto mas impossível de adivinhar para quem contempla da estrada o maciço erecto da rocha dos Frades, que tivemos ocasião de a observar. Por perto, e aproveitando o abrigo das escarpas para fugir à voracidade de vacas e cabras, havia algumas das especialidades da flora endémica açoriana: Cardamine caldeirarum, Centaurium scilloides, Leontodon hochstetteri, Platanthera micrantha, Ranunculus cortusifolius, Scabiosa nitens. Por muito gratificante que seja encontrar reunidas tantas preciosidades, a sua presença era perfeitamente normal. O que surpreende é o modo como as plantas certas conseguem colonizar micro-habitats isolados como este de dois ou três metros quadrados, em que a acumulação fortuita de água cria uma descontinuidade absoluta com o habitat envolvente. Quem lhes deu (às plantas) notícia de que o lugar lhes convinha, e como chegaram elas até lá?



FÉRIAS

Regessamos na última semana de Agosto. Até lá, sugerimos a quem habitualmente nos visita que vá espreitar o recente Wild Iberia.

4 comentários :

Yurnatur disse...

Obrigado, pela referência ao blogue, sabes que o teu sigo-o assíduamente, um grande abraço e boas férias!

Paulo Araújo disse...

Um abraço, Rui. E parabéns pelo modo como mostras no teu blogue aqueles pedaços de natureza às vezes tão próximos de nós e em geral tão ignorados.

Majo disse...

~~~
~ Um carinho especial pela flora autóctone...

~ Muito bela, a foto da Rocha dos Frades...
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Majo disse...

~Ps~
~~~ Férias excelentes. ~~~
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