08/05/2016

Erva da alergia


Parietaria judaica L.


No subúrbio onde cresci, rodeado de campos ainda lavrados por famílias de agricultores, e com uns silvados a pontuar os intervalos dos prédios, esta planta era bem conhecida da miudagem. Não que eu lhe soubesse o nome — a ideia de que as ervitas pudessem ter nome próprio, quando até as árvores eram apenas árvores, nunca então me passou pela cabeça. Mas tinha uma utilidade que a distinguia das demais ervitas: as folhas eram adesivas e, colhidas uma a uma, podiam ser coladas na roupa para formar palavras e frases. Numa época em que o "merchadising" desportivo era inexistente, podiam até ter servido, nos jogos de futebol entre a criançada, para inscrever os números dos jogadores nas camisolas. Que me lembre, isso nunca foi feito, talvez por exigir uma ideia de organização de todo estranha ao carácter espontâneo dessas futeboladas.

Ao transitar da infância no subúrbio para a vida adulta na cidade, a erva-das-letras acompanhou-me, surgindo em paredes velhas e em jardins, mas perdi o hábito de a usar para juntar palavras. Ganhou um nome, como ganharam as árvores e quase todas as coisas verdes à minha volta: parietária, nome vulgar que é também nome científico e que significa, com alguma dose de inevitabiblidade, erva-dos-muros. O nome erva-da-alergia que aparece em título foi agora inventado, mas nem por isso deixa de ser merecido. O pólen da Parietaria judaica, uma espécie perene que floresce durante quase todo o ano, mais intensamente em Abril e Maio, é dos mais alergénicos que se conhecem. Juntamente com as omnipresentes gramíneas que colonizam todos os pedaços de terra livre, é ela que faz com que nem a cidade seja abrigo seguro para quem sofre de febre dos fenos. As árvores que a vox populi costuma apontar como culpadas das reacções alérgicas (choupos, plátanos) têm em geral pouquíssima responsabilidade na matéria.

Presente em quase todo o país, incluindo continente, Madeira e Açores, a Parietaria judaica é, como indica o mapa no portal Flora-On, mais frequente a norte do Tejo. Prefere habitats urbanos ou ruderalizados, em lugares mais ou menos soalheiros, e a sua presença acaba por ser um subproduto da presença humana. É curioso notar que, no cada vez mais despovoado nordeste do país, ela se vê em parte substituída por uma congénere anual, a P. lusitanica, com apetites também ruderais mas mais amiga da sombra e da humidade.

5 comentários :

bea disse...

As alergias são uma condenação tanta vez vitalícia. Pode até ser que estas plantas sejam úteis noutro sentido, por mim acabava-lhes com a raça em lugares habitados.

Paulo Araújo disse...

As alergias a fenómenos naturais são também um sintoma do nosso modo de vida artificial. Acabar com a Parietaria? De pouco serviria se não acabássemos também com as gramíneas. Criaríamos um mundo asséptico que nem sequer seria habitável.

bea disse...

Então que fiquem todas elas. Assim como assim este é o melhor dos mundos. Que continue.Digo eu que nada ordeno.

Rafael Carvalho disse...

Urticária, rinite, conjuntivite, pieira, espilros e mais espilros... O que sofro com esta danadinha!
Cumprimentos.

ZG disse...

"Erva da alergia"?? Trocando o r e o g fica "Erva da alegria"!!