Losna prateada
Antes da vulgarização da fotografia, os botânicos que publicavam artigos com a descoberta de novas espécies tinham de se esmerar na descrição (em latim, pelo menos) de cada planta e, sempre que possível, escolher uma designação que a distinguisse claramente das demais. Com um vocabulário restrito e sem meios de laboratório decisivos, precisavam de ver demoradamente os espécimes em várias estações do ano, beneficiando ainda da possibilidade de colher alguns exemplares para herbário. Não raro, contudo, a degradação natural do material colectado dificultava a sua identificação futura. Acrescia a esse azar o facto de, com frequência, as plantas recolhidas em expedições científicas a paragens longínquas se perderem pelo caminho ou chegarem em más condições. Salvavam-se as sementes que, se germinassem, produziriam exemplares caseiros, mais fáceis de estudar. Seguiam-se então extremosos cuidados, extenuantes análises (feitas em segredo, não fosse o cientista rival publicar a descoberta primeiro), longas vigílias em jardins botânicos à espreita do nascimento da flor desconhecida, e a rigorosa tarefa do taxonomista para nomear a espécie inédita.
É neste contexto que Charles Louis L'Héritier (1746-1800; abreviadamente L'Her.) escreve em Inglaterra, e publica em França entre 1789 e 1793, a obra Sertum Anglicum. O texto reduzir-se-ia a uma lista de verbetes em latim sobre flora trazida da América do Sul por Joseph Dombey (com autorização da coroa espanhola) e outra cultivada nos Kew Gardens, não tivesse o destino juntado, em Paris, o botânico L'Héritier e o pintor Pierre-Joseph Redouté (1759-1840). A partir do segundo volume, cada nova espécie desta obra é ilustrada em página inteira por este talentoso ilustrador, que ganhou fama e prestígio precisamente pelos seus trabalhos botânicos. Os seus desenhos, ao contrário das amostras de herbário, permanecem viçosos e deslumbrantes ainda hoje. A prancha 28 do Sertum Anglicum mostra o endemismo da Madeira, Porto Santo e Desertas de que vos falamos hoje.
As numerosas espécies do género Artemisia, com flores minúsculas desprovidas de pétalas mas com invólucros robustos, têm folhagem perfumada, embora não tanto como a das dunas primárias no litoral, que poderá reconhecer nas suas idas à praia. Algumas espécies são lenhosas, e é esse o caso da planta madeirense das fotos (conhecida no arquipélago como losna), que vimos em abundância em locais rochosos perto do mar e nos picos de Porto Santo. Trata-se de um pequeno arbusto perene, com as folhas revestidas por um tomento branco-acinzentado que lhes confere um aspecto prateado. Note como as folhas são triangulares e lobadas, não tão coriáceas como as da A. campestris, e como formam uma ramagem solta que, mesmo depois de seca, se mantém algum tempo sem cair, decerto para dar resguardo à planta nos meses mais quentes, quando exposta em rochedos e areais costeiros. A inflorescência é uma longa panícula com capítulos pendentes, parecendo estar todos virados para o mesmo lado. Em cada capítulo de flores amarelas, as hermafroditas enchem o centro do disco, as femininas estão no bordo. Há registo na Flora of Madeira, editada por de J.R. Press e M. J. Short (The Natural History Museum, London, 2016), de uma população no ilhéu de Cima com corolas púrpura.
1 comentário :
É mais um espécime a somar, pensa quem por aqui viaja. Muito obrigada.
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