Madeira Fern Fest (2)
Asplenium aethiopicum subsp. braithwaitii Ormonde
A Madeira tem uma invejável rede de vias rápidas, servida por uma profusão de pequenos, médios e grandes túneis — que, se nos permitem chegar mais rapidamente à almejada natureza, têm o inconveniente de dificultar o uso de GPS. A receita é conduzir a velocidade moderada, dando tempo ao aparelho para captar os satélites nos breves intervalos entre dois túneis. Quando tomamos as estradas secundárias, é uma outra ilha que se descobre, inalterada durante as décadas em que a Madeira Nova progredia a toda a brida. Em redor do Funchal, as vias labirínticas, estreitíssimas e quase a pique são um susto para o condutor desprevenido. Subindo para o interior da ilha e deixando para trás a malha urbana, as estradas normalizam-se e a condução faz-se sem dificuldades. Podemos estar atentos à vegetação das bermas, parando sempre que nos convenha, pois não foi para outra coisa que viemos. Três dos fetos que vão desfilar no Madeira Fern Fest, incluindo o de hoje, são estradeiros. Que os tenhamos encontrado nos mesmos locais das mesmas estradas onde foram assinalados há 30 ou 40 anos, apesar da modernização, dos incêndios e de outras catástrofes, é forte motivo para optimismo.Este Asplenium aethiopicum prefere a vertente norte da ilha, mais arborizada e húmida, menos povoada. O muro alto de pedra solta onde o vimos empoleirado fica à face da estrada. Antigos campos de cultivo, invadidos por Pteridium, Arundo donax e outras plantas infestantes, pontuados por pinheiros e eucaliptos, dispõem-se em socalcos acima e abaixo da estrada. Do lado de lá de um vale, o casario branco trepa pela encosta. É uma paisagem rural, mas de uma ruralidade ferida de abandono, igualzinha à que conhecemos no continente.
Igualzinha nos traços gerais, mas não nos detalhes. Os muros são de basalto, em vez de xisto ou granito. Algumas plantas indígenas, lideradas pelos ensaiões (Aeonium glandulosum, Aeonium glutinosum), disputam cada palmo do muro às invasoras. Nessa comunidade de resistentes integra-se o Asplenium aethiopicum, um feto de tamanho médio (folhas até 40 cm de comprimento) que fornece uma prova adicional da africanidade desta ilha povoada por europeus. Os soros lineares no verso das pinas (2.ª foto), fazendo lembrar pinturas de guerra dos povos indígenas norte-americanos, não deixam dúvidas quanto à sua filiação no género Asplenium, um dos mais variados e populosos (cerca de 700 espécies no mundo inteiro) desta classe do reino vegetal. Mas nenhum outro Asplenium em território português (seja nas ilhas ou no continente) se confunde com este. As frondes registam alguma variação, sendo as jovens (3.ª foto) menos recortadas do que as maduras, mas em geral são bipinatífidas, enquanto que as do A. onopteris, por exemplo, são bipinatissectas (ou tripinatissectas). Isso significa que neste os segmentos (pínulas) que compõem as pinas estão bem separados uns dos outros (foto), enquanto que naquele eles o estão apenas por uma fenda que não atinge o eixo da pina.
O epíteto aethiopicum não significa que, em África, a planta apenas exista na Etiópia. Aethiopia, na antiguidade clássica, era o nome para toda a África não mediterrânica, aquela que fica a sul do Egipto, Líbia, Argélia e Marrocos; na taxonomia botânica, o nome aethiopicum é mais usado para plantas sul-africanas. De facto, o Asplenium aethiopicum foi primeiramente descrito a partir de exemplares colhidos na África do Sul; e, apesar de estar muito espalhado por África (ver nesta página), talvez nem exista no país a que hoje chamamos Etiópia (antiga Abissínia). Em compensação, a sua distribuição global é vastíssima, pois é tido como nativo da América tropical (incluído Caraíbas), de África (incluindo Madagáscar), da Austrália e do sudeste da Ásia. Num feto tão viajado, não é surpresa que a variabilidade seja grande, e só na África do Sul estão registadas umas quatro subespécies, diferindo umas das outras no tamanho e no grau de divisão das frondes, e também, mais subtilmente, no número cromossómico e no modo de reprodução (sexuada ou apomíctica). Algumas variantes (exemplos: 1, 2) parecem-se pouco com a versão madeirense, mas outras já se assemelham bastante (exemplo). As plantas madeirenses foram emancipadas em 1991, por José Ormonde (no artigo The Macaronesian representatives of the Asplenium aethiopicum complex, publicado no n.º 43 do Boletim do Museu Municipal do Funchal), numa nova subespécie a que ele chamou braithwaitii, endémica da Macaronésia (Madeira, Canárias e Cabo Verde), mas a aceitação deste taxon não é unânime.
1 comentário :
Mais um post fascinante!!
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