24/01/2017

Sinos dourados

Lembra-se, caro leitor, da Azorina vidalii, espécie única de um género da família Campanulaceae que é endémico dos Açores? Pois bem, o arquipélago da Madeira também tem a sua quota de campânulas endémicas: o género Musschia, nome dedicado ao botânico Jean Henri Mussche (1765-1834), só existe na Madeira e Desertas, e dele há registo de três espécies.


Musschia aurea (L.f.) Dumort.


As plantas da espécie Musschia aurea, fáceis de avistar em fissuras de rocha de algumas falésias do litoral sul madeirense, são herbáceas perenes de uns 50 cm de altura, com rosetas de folhas luzidias e flores amarelas dispostas em panícula piramidal. Estranha-se que sejam parentes das frágeis campânulas e lobélias mas, descontando o exagero no tamanho, notamos semelhanças entre todas elas. Repare-se, por exemplo, nas folhas bi-serradas mais estreitas na base, no cálice de sépalas longas, nas pétalas reviradas para fora, nos estigmas unidos ao centro. Não esperávamos vê-las em flor (ao contrário dos muitos pés de Gennaria diphylla a bordejar as levadas), mas na Ponta do Garajau, em rochas e muros mais sombrios, havia ainda alguns exemplares viçosos.



As plantas da espécie Musschia wollastonii são arbustivas, com caule lenhoso que pode atingir os dois metros de altura. Moram no interior extremamente húmido da ilha da Madeira, sob o ruído constante da água a correr e à sombra das magníficas árvores da laurissilva. Para as encontrar neste cenário especial, munidos de lanterna de mineiro, botas anti-derrapantes e bordão, atravessámos um túnel estreito, de uns 600 metros de comprimento, que acompanha parte da levada do Folhadal. As folhas são grandes e penugentas, estreitando na base, e formam um saiote engraçado porque a roseta basal se vai elevando à medida que o talo cresce. As flores, da Primavera e Verão, têm corola avermelhada e agrupam-se em panículas piramidais de cerca de um metro de altura. É uma espécie monocárpica: cada planta só floresce uma vez na vida, morrendo depois de lançar o seu fogo de artifício. Na lista vermelha da IUCN, a M. wollastonii está na categoria das espécies em risco pelas inúmeras ameaças ao seu habitat.


Musschia wollastonii Lowe


Em 2007, foi descrita uma outra espécie também monocárpica, Musschia isambertoi, cujo epíteto homenageia o vigilante da natureza Isamberto Silva, seu primeiro descobridor, que se distinguiu na colaboração com várias gerações de botânicos na Madeira. Dela conhecem-se apenas duas populações na Deserta Grande. Diferencia-se das anteriores essencialmente pela corola verde das flores, pela inflorescência só dividida no topo da haste floral, e pelo formato e indumento das folhas. R. Lowe, que certamente visitou as Desertas pois descreve a flora destas pequenas ilhas na obra A manual flora of Madeira and the adjacent islands of Porto Santo and the Desertas (1868), não a terá visto porque, no século XIX, o excesso de cabras e coelhos terá reduzido drasticamente o contingente desta e de outras espécies. As mesmas que agora, sendo as Desertas uma reserva natural e estando as visitas controladas ou mesmo proibidas, recuperam aliviadas de um tal excesso de predadores.

3 comentários :

bea disse...

Talvez ainda possamos ver aqui as Musschia wollastonii floridas; além do caule lenhoso e da altura a destacar devem ser, pelo menos, bem vistosas.

ZG disse...

Que beleza, realmente!!

bettips disse...

Vir por aqui é uma festa de sentidos e saberes. Onde, como e quando, ficamos todos a saber mais.
Açs