Madeira Fern Fest (3)
Polystichum falcinellum (Sw.) C. Presl
Para orientar os aficionados, talvez devesse ser estabelecida uma hierarquia de endemismos que tomasse em conta a área de distribuição e o grau de originalidade. Distribuições restritas seriam valorizadas, mas seria factor de depreciação a existência de espécies muito semelhantes com distribuição mais ampla. Às vezes a semelhança é de tal ordem que o reconhecimento ou não de que certa variante configura uma espécie (ou subespécie) autónoma depende do critério subjectivo de especialistas. Um endemismo de primeiro grau, chamemos-lhe assim, deverá ter distribuição muito restrita (o ideal é existir numa ilha só) e não deve poder ser confundido com outra coisa qualquer por botânicos dignos desse nome. Pese embora a raridade da Arachniodes webbiana na Madeira, ela de facto também existe (mais cromossoma, menos cromossoma) no sudeste de África, o que a impede de atingir esse patamar. É ao Polystichum falcinellum, o feto-das-pequenas-foices (tradução literal de falcinellum), que cabe inaugurar o panteão dos endemismos de primeiro grau no Madeira Fern Fest.
A flora da Madeira inclui dois Polystichum endémicos; o outro é o P. drepanum, quase extinto na natureza, que não tivemos a fortuna de encontrar. A esses soma-se o P. setiferum, comum na Madeira e nos Açores e na metade norte do território continental. O encontro na Madeira da espécie europeia com o P. falcinellum deu origem a um híbrido natural muito raro, baptizado como Polystichum × maderense, assim se comprovando como a arrumação dos dois fetos no mesmo género botânico está correcta, apesar das visíveis diferenças entre eles. A mais óbvia é que as frondes do P. setiferum são duas vezes divididas (bipinatissectas), enquanto que as do P. falcinellum o são apenas uma vez. No entanto, as pínulas (divisões de segunda ordem) do P. setiferum têm a mesma aurícula basal que sobressai nas pinas do P. falcinellum (compare esta foto com a 2.ª e 4.ª fotos acima). Independentemente do grau de divisão das frondes, a aurícula e o formato falciforme das divisões de última ordem são marcas distintivas do género Polystichum, que também podem ser detectadas no P. lonchitis, uma espécie holártica que não ocorre em Portugal.
O Polystichum falcinellum — cujas folhas erectas e coriáceas, de uns 70 cm de comprimento máximo, se apresentam em tufos — vive em zonas elevadas no centro e norte da Madeira. Evita as zonas mais húmidas da laurissilva, mas pode aparecer em grandes quantidades no patamar superior da ilha, abrigado em urzais ou em plantações de pinheiros e de outras coníferas. Os exemplares que se prestaram à fotografia moravam na sombra espessa de uma mata de Pseudotsuga menziesii junto à acolhedora Casa de Abrigo do Poiso, a uns 1400 m de altitude. Faziam-se acompanhar pelo P. setiferum (mas não havia híbridos) e por uma sortida amostra de outros pteridófitos que incluía três espécies de Asplenium, duas de Dryopteris e ainda, omnipresente na ilha, a Davallia canariensis. É a Madeira a imitar o padrão já nosso conhecido nos Açores, em que as plantações florestais de coníferas (criptomérias, no caso açoriano), se outro interesse florístico não têm, são fértil terreno de busca para o entusiasta por fetos.
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