02/01/2018

Na senda do urso



"Trilho do urso" seria a tradução correcta de "senda del oso". Como fazem todos aqueles com uma relação difícil com línguas estrangeiras, fiamo-nos nos falsos amigos e optamos pela tradução fonética. Dizendo que estivemos "na senda do urso", damo-nos ares de intrépidos exploradores da vida selvagem, sugerindo que andámos deliberadamente no rasto do bicho.

Na verdade não foi bem assim. A "senda del oso", nas Astúrias, é um percurso ciclável, recomendado para toda a família (humana, não ursina), que decorre em grande parte numa antiga linha férrea mineira. Tal como quem visita as Terras do Lince não espera dar de caras com o felino, pois ele já lá não está e se estivesse não era para se mostrar, também quem percorre o "trilho do urso" sabe que, havendo embora ursos nas Astúrias, eles preferem trilhos mais recatados, longe da nossa vista. É pois esse o percurso ideal para quem, visitando as Astúrias, queira ter a garantia de que para ele os ursos continuarão a ser apenas aquelas criaturas fofas dos programas de David Attenborough.

Se não foi para ver ursos, ou se foi até, usando de maior franqueza, para não ver ursos, que temos nós para contar ao internauta apaixonado pela natureza à distância de um clique? Ouvimos um restolhar na folhagem que bem poderia ser um esquilo, mas deve ter trepado ligeiro por alguma árvore (uma faia, pois só havia faias) e não chegámos a vê-lo. As faias e as plantas em geral não são esquivas como os animais, nem enganadoras como as paisagens (que nos puxam adiante mas nunca conseguimos alcançar, como a linha do horizonte ou o lado de lá do arco-íris.) Falemos então de uma das plantas que vimos nos mil metros da "senda del oso" que percorremos desde o desfiladeiro de Teverga.

Phyteuma spicatum L.



Aquando de uma anterior visita ao norte de Espanha, apresentámos aqui uma espécie de Phyteuma, género da família das campânulas que tem zero representantes na flora portuguesa, cinco na peninsular e mais de vinte na europeia. As flores, agrupadas em espigas ou capítulos, têm uma forma muito característica, com as pétalas soldadas na ponta formando um tubo alongado; quando ainda fechadas, fazem lembrar um cacho de bananas. Phyteuma hemisphaericum, que vimos antes, é uma planta alpina, de estatura baixa e folhas lineares, que espera pelo degelo para surgir em fissuras de rochas e em prados. Phyteuma spicatum, por contraste, é uma planta alta (até 1 m de altura), com folhas basais largas, que vive a altitudes moderadas na orla de bosques caducifólios húmidos. Tanto no trilho do urso como nos vários pontos na berma da estrada onde depois a encontrámos, só a vimos de flores azuis, mas ela também dá flores brancas, que aliás são preponderantes nas populações extra-peninsulares. É estimada como ornamental, e são poucos os países da Europa onde ela não ocorre: Portugal, Irlanda, Grécia e (só para confundir o retrato) Bélgica.

1 comentário :

bea disse...

Planta que não desmerece em filmes de ficção científica:). É meia estranha.