Canarina
Apesar de persistir alguma controvérsia, os estudos geológicos parecem confirmar que algumas das ilhas Canárias se originaram em vulcões no Atlântico, não tendo sido nunca parte do continente africano. Mas Lanzarote e Fuerteventura, pelo menos, terão sido território do norte de África. Certo é que são todas ilhas muito antigas, onde se refugiaram espécies que foram frequentes há milhões de anos na região que hoje margina o mar Mediterrâneo ou no norte de África, e que actualmente só se encontram nos bosques de laurissilva dos arquipélagos da Madeira, Açores e Canárias. Nestas ilhas, ficaram a salvo dos períodos glaciares e outras mudanças climáticas drásticas a norte, e da secura e aridez que se foi instalando a sul. Segundo David e Zoe Bramwell, autores da obra Flores Silvestres de las Islas Canarias, algumas das espécies endémicas destas ilhas têm actualmente os seus parentes mais próximos no sul de Espanha e em Portugal (entre eles contam-se Laurus nobilis, Prunus lusitanica e Convolvulus fernandesii) ou, não sendo endémicas, têm populações residuais na Península Ibérica (exemplos: Myrica faia e Woodwardia radicans); e outras endémicas insulares pouco diferem de espécies que ocorrem em florestas e montanhas africanas. Talvez a planta que agora vos mostramos seja uma dessas relíquias da flora que outrora verdejaram na região hoje ocupada pelo deserto do Sáara.
Tal como acontece com a Azorina vidalii, espécie única do género Azorina e que só ocorre nos Açores, e do género Musschia, que existe somente na Madeira e Desertas e de que há registo de três espécies, também as ilhas Canárias têm a sua quota de campanuláceas endémicas. A Canarina canariensis é uma trepadeira glabra da floresta laurissilva, relativamente comum nos bosques frescos (mas raramente frios), húmidos e quase sempre enublados das partes altas destas ilhas. As flores, raiadas de vermelho e polinizadas por pássaros, têm cerca de 7 cm de comprimento. Os parentes em África apresentam semelhanças notórias: veja, por exemplo, aqui imagens da Canarina eminii, que se distingue essencialmente pela cor das flores da também africana Canarina abyssinica.
Como se tivesse memória dessa conexão africana, a C. canariensis floresce entre Novembro e Janeiro, enquanto na África meridional é Primavera ou se inicia o Verão. Hiberna entre Maio e Setembro, sobrevivendo das reservas de nutrientes que guardou em vigorosos tubérculos nas raízes, lançando anualmente um novo talo que pode atingir os 3 metros. O fruto é uma baga carnuda, escura quando madura, que é comestível e, asseguram, doce.