08/01/2020

Chicória elegante

Durante alguns anos, entre Janeiro e Junho, visitámos com alguma regularidade o centro do país. Habituados à cidade, desconhecíamos algumas das serras da Estremadura, lugares privilegiados para a flora de solos calcários. Foi ali que começámos a interessar-nos pelas plantas de um modo menos informal, e foi também por lá que vimos pela primeira vez algumas das espécies herbáceas mais bonitas da flora nacional. Mas escapou-nos sempre a asterácea que hoje vos mostramos, planta perene que gosta de clareiras de matos e encostas muito secas com solo calcário e argiloso, e cuja distribuição em Portugal se restringe a um local no Ribatejo.


Catananche caerulea L.


Por cá, ela floresce entre Maio e Junho, mas encontrámo-la em flor, e em populações abundantes, durante uma visita em Agosto aos Pirenéus. Na imagem abaixo dos montes de Plana Canal, nos Pirenéus aragoneses, adivinha-se a estrada, denunciada por uma linha mais ou menos horizontal, em cuja berma vimos pela primeria vez a C. caerulea.



As inflorescências lembram as da chicória, mas o formoso invólucro de brácteas transparentes (veja a 2ª foto acima) distingue-as sem dificuldade.

No sudeste de Portugal ocorre outra espécie de Catananche, igualmente rara, a C. lutea, que nunca vimos mas que é frequente na região mediterrânica. É anual e parece mais exigente quanto ao tipo de habitat pois apenas são conhecidos registos da sua presença em afloramentos de rocha ígnea com solo básico, ocorrendo em populações pequenas. Isso é surpreendente tendo em conta que esta espécie tem um esquema de dispersão de sementes muito habilidoso. Senão vejamos.

Cada planta produz dois tipos de frutos (aquénios): uns subterrâneos, com origem em flores que nascem nas axilas das folhas da roseta basal entre Fevereiro e Abril, e que germinam no local onde a planta mãe morre; e outros aéreos, que estão prontos para serem disseminados pelo vento entre Abril-Maio e que resultam da polinização ou auto-fertilização das inflorescências aéreas (com hastes florais elevadas). Cada tipo de aquénio parece ter uma intenção distinta relativamente ao processo de disseminação desta espécie, diferenças que naturalmente obrigam a adaptações morfológicas. Segundo E. Ruiz de Clavijo, autor de um artigo que vale a pena ler na íntegra, os aquénios subterrâneos são uma reserva da planta pronta para germinar no solo, e fazem-no rapidamente. Asseguram que a espécie persiste no terreno onde a planta mãe foi bem sucedida. Os aéreos, cuja dispersão se faz pelo vento e se espera que viajem para longe, permitindo a colonização de novos habitats, têm um prazo de validade maior e o papus (o pára-quedas da semente) é mais bem desenvolvido.

Esta estratégia reprodutiva não é apanágio da C. lutea (veja-se por exemplo a Centaurea melitensis, cujos capítulos sésseis e rentes ao chão têm flores cleistogâmicas, ou a Emex spinosa). No caso da C. lutea, porém, os capítulos na base também abrem, e o processo é mais sofisticado pois há vários tipos de aquénios aéreos e subterrâneos, com diferenças subtis que dependem da posição da flor no capítulo.

Se o leitor tiver tempo, não deixe de espreitar imagens de outras espécies de Catananche do norte de África, decerto parentes e, quem sabe, origem do carácter polimorfo dos frutos da C. lutea.

1 comentário :

bettips disse...

Sempre um agrado, o mundo do chão que nos mostrais!
E quando "o lugar" dele é fotografia, melhor.
Abçs